Estupro de vulnerável, falsas memórias e fragilidade das provas
1 INTRODUÇÃO
O crime de estupro desde a antiguidade traz consigo um caráter repressivo, o sujeito ativo desse delito é reputado como um vilão social e muitas vezes tende a ter mais represálias, até mesmo, que o homicida. Destarte que existe vários fatores marcantes em torno desse tipo penal, o modo como foi executado a ação principal, as sequelas físicas e psíquicas deixadas na vítima que lesa a liberdade sexual e a dignidade da pessoa humana, deixando vestígios por toda sua vida.
Consoante, o crime de estupro tem um apelo social ainda mais intenso, quando o sujeito passivo do crime está inserido no grupo de pessoas que ou por sua idade ou por questões de saúde é considerada vulnerável. Por conta disso, quando o sujeito do estupro é vulnerável o código reserva-lhe uma tipificação própria, contida no artigo 217 – A do código penal, a fim de que esse crime seja punido mais agudamente.
Por se tratar de um crime inaceitável socialmente, é preciso que haja cautela em determinadas situações fáticas, pois o peso de uma condenação pode ser irreparável na vida de uma pessoa, ainda mais quando o meio probatório esteja escasso ou contenha vícios que torna as provas frágeis.
Uma vez que, esse tipo penal, em várias situações, tende a ter como único meio probatório da autoria o testemunho da vítima, que por conta da situação que viveu está fragilizada emocionalmente e pode ter seu testemunho maculado por esse fator, que pode dificultar a comprovação da prática delituosa ou formar um convencimento errôneo quanto à culpabilidade do sujeito ativo.
Além da influência do estado emocional da vítima, fatores como a maneira como os interrogaram e fatores neurológicos contribuem ou, até mesmo, determina o surgimento do fenômeno psíquico da falsa memória, que impedem que a lembrança do ocorrido seja relatada fielmente, mesmo que essa não seja a intensão da testemunha.
Por conta desse alto grau de reprovabilidade que os meios de provas utilizados sejam analisados com prudência, principalmente, quando, esse meio de prova for os depoimentos de vítimas e testemunhas, visto que fatores como a fragilidade emocional e falsas memórias relacionadas às lembranças do ocorrido podem interferir negativamente na resolução do caso concreto, que uma vez corrompido pela dúvida, jamais levará justiça às vítimas e poderá causar danos irreparáveis na vida do sujeito ativo indiciado.
2 O ESTUPRO E O ADVENTO DA LEI 12.015/2009
O Código Penal Brasileiro foi promulgado em 1940, aduzindo de maneira implícita, algumas características que vigoravam naquele determinado contexto histórico em que a sociedade desenvolvia-se. Mesmo em tempos hodiernos, são notáveis que diversas características observadas na sociedade daquela época, não se tornaram obsoletas, mas seguiram, sendo transmitidas por meio dos costumes, enquanto outras deixaram de existir ou se transmudaram, conforme os avanços das relações sociais. Cabendo ao direito, engajar-se para acompanhar tais avanços, assegurando a tutela e garantia da ordem social.
Considerando a evolução histórica da sociedade, o legislador modificou o nomen iuris, através da lei 12.015/2009[1], o Título VI da parte especial do Código Penal, que tratava dos “crimes contra o costume”, ou seja, crimes que infligiam a moral da época, para “crimes contra a dignidade sexual”. A nomenclatura utilizada anteriormente deixou de ser apropriada com o passar do tempo, caracterizando um retrocesso, uma vez que a dignidade da pessoa humana, bem como a sua liberdade sexual, devem ser preservadas, independente dos padrões morais adotados por terceiros, estranhos à agressão vivenciada pela vítima. Embora tendo relevância social, é de cunho pessoal.
De acordo com a antiga redação do crime de estupro, o referido delito se configurava com o constrangimento à conjunção carnal, ou seja, a intromissão do órgão viril masculino na genitália feminina, mediante violência ou grave ameaça. Os demais atos de cunho sexual, não eram abarcados como estupro pelo diploma legal. Sendo assim, os atos sexuais distintos da conjunção carnal, configurava o tipo penal, atentado violento ao pudor.
Com a inserção da lei supramencionada, o crime de estupro deixou de ser um crime em que ação delitiva é praticada por um agente específico, em que se admitia somente o homem como agente ativo e consequentemente só a mulher poderia ajustar-se à condição de vítima. Atualmente tanto a mulher como o homem podem ser sujeitos ativos e passivos do crime de estupro.
A grande controvérsia anterior à lei era a hediondez nos crimes de estupro de vulnerável sem emprego de violência ou grave ameaça, com a lei 12.015/09, foi incluído na lista dos crimes hediondos[2], passando então a ser considerado um crime de maior reprovação por parte do estado, mesmo que não haja a grave ameaça ou violência.
3 ESTUPRO DE VULNERÁVEL
De acordo com a exposição de motivos da Lei 12.015/09, dentre as motivações, há também uma preocupação em proteger o sujeito passivo do delito de estupro que se encontra em estado de vulnerabilidade, como as vítimas menores de quatorze anos e aquelas que por enfermidade, ausência da capacidade em discernir ou outra razão que impossibilite a resistência, que as torna vulneráveis. Não é necessário considerar a violência, nem mesmo sua presunção.
A CPMI sobre a violência e as redes de exploração sexual de crianças e adolescentes possui a faculdade de apresentar proposições legislativas baseadas nas conclusões de suas investigações, o que leva obrigatoriamente à reflexão abrangente sobre o direito posto, o proposto e o a propor. (Lei nº 12.015/09 – Exposição de motivos)
Antes da referida lei, a prática sexual com pessoa vulnerável, ou seja, ter conjunção carnal ou ato libidinoso com menor de quatorze anos era relativizado, podendo ser considerado estupro, se houvesse conjunção carnal (Art. 213 CP) ou atentado violento ao pudor (Art. 214 CP), havendo então, uma análise do caso concreto para tipificar tal conduta. Sendo que a violência na prática desses atos era presumida pelo legislador, presente no artigo 224CP, revogado com a promulgação da lei 12.015/2009. (SANCHES, 2015)
Com a promulgação do diploma legal supracitado, o estupro de vulnerável passou a ser analisado excluindo a relativização, uma vez que o objeto material do tipo penal pretende proteger a dignidade sexual dos menores de quatorze anos que se encontra em fase de desenvolvimento psicológico e corporal, deficientes mentais ou enfermos que não tem necessário discernimento para a prática do ato, reconhecendo então a vulnerabilidade do sujeito passivo, tratando-se como o bem jurídico tutelado, a dignidade sexual desses sujeitos.
Como citado anteriormente à presunção de violência estava tipificada no artigo 224 do Código Penal, com a nova redação da lei 12.015/2009, passou a ser analisado por outra vertente, ou seja, a presunção de violência tornou-se implícita no tipo penal, de acordo com Bittencourt (2012. P.1093):
[...] as causas que levavam à presunção de violência; curiosamente, no entanto quando nosso ordenamento jurídico deve redemocratizar-se sob os auspícios de um novo modelo de Estado Constitucional e Democrático de Direito, o legislador contemporâneo usa a mesma presunção de violência, porém, disfarçadamente, na ineficaz pretensão de ludibriar o intérprete e o aplicador da lei.
No entanto Rogério Sanches preleciona:
[...] a regra da presunção de violência deixou de ser aplicada. A mesma lei incluiu no Código o art. 217-A, que, sem mencionar presunção de nenhuma ordem, pune, no caput, a conduta de ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de quatorze anos. A clara disposição legal, no entanto, não foi capaz de impedir a continuidade do debate a respeito da presunção, agora de vulnerabilidade. (CERS, 2016)
Para haver a culpabilidade é necessário que o agente tenha conhecimento da vulnerabilidade dos menores de 14 (quartoze) anos, dos enfermos e deficientes mentais, devendo então ser evidente essa característica facultando a qualquer homem médio essa observação, tendo como elemento subjetivo o dolo do sujeito ativo. No caso concreto quando houver o desconhecimento da vulnerabilidade da vitima pelo erro de tipo[3] exclui-se a culpabilidade do agente, quando não houver o emprego de violência ou grave ameaça, caso contrario incidirá no artigo 213 do Código Penal.
O estupro de vulnerável consuma-se na modalidade de conjunção carnal quando houver a cópula secundum naturam[4]independente que haja a ejaculação, ou qualquer outro ato libidinoso. Tratando-se da modalidade de conjunção carnal é possível falar em tentativa, pois se tratando de um crime plurissubsistente, ou seja, que possui vários atos é possível fracionar o inter criminis[5], como por exemplo, o indivíduo que inicia os atos executórios e é interrompido por uma circunstancia alheia a sua vontade.
Vale destacar, via de regra que o crime de estupro implica uma conduta comissiva, pois o agente exerce uma ação positiva, contudo admite-se a modalidade por omissão, uma vez que o agente responsável pela vitima, após ter conhecimento, permite que se consuma a prática libidinosa. Como forma de ilustração, é possível citar o exemplo de uma mãe ao tomar conhecimento que sua filha de 10 anos sofria frequentes abusos sexual por parte de seu irmão (tio da vítima), nada fazia para impedir tais atos. Nesse contexto fático a conduta materna será passível de responsabilização, pois incidirá em omissão imprópria, destarte, será punida com as mesmas penas previstas no artigo 217-A do Código Penal, pois a mesma goza de status de garantidora[6]da vítima.
O estupro de vulnerável tem previsão nas modalidades qualificadas, nesse sentido é caracterizado como crime preterdoloso caso o agente tenha como finalidade praticar tão somente a libidinagem a título de dolo, tendo como resultado a lesão corporal de natureza grave ou morte da vítima a título de culpa, responderá por crime de estupro de vulnerável qualificado. Caso a intenção do agente for a pratica do ato de libidinagem e a morte do sujeito passivo, o agente responderá pelos dois crimes (estupro e homicídio) em concurso material. (GRECO, 2016)
A pena base presente no artigo 217-A do Código Penal é a de 8 (oito) a 15 (quinze) anos de reclusão; caso resulte lesão corporal o agente será punido em 10 (dez) anos a 20 (vinte) anos de reclusão e porventura ocorrer a morte da vítima a pena será de 12 (doze) a 30 (trinta) anos de reclusão.
A pena será aumentada em quarta parte se o crime é cometido em concurso de pessoas (duas ou mais); da metade se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou caso tenha autoridade sobre ela; (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005). Se o crime resultar gravidez será a pena aumentada em metade; se da conjunção carnal desde que o agente ativo sabe ou deveria saber ser portador de doença venérea, resultar doenças sexualmente transmissíveis na vítima será aumentada de um sexto até a metade; na hipótese do agente já saber que possui a doença e mesmo assim prática atos libidinosos com a vítima contaminando-a, será punido de forma mais severa, conforme o artigo 68, parágrafo único do Código Penal:
No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Vale salientar que a ação será de natureza pública incondicionada pelo fato da vulnerabilidade da vítima e os processos que apuram o estupro de vulnerável deverão ocorrer em segredo de justiça[7].
Há uma grande divergência na doutrina em relação ao crime que é praticado no dia do aniversario de 14 (quatorze) anos da vítima, segundo Rogério Sanches a vítima não é maior de quatorze anos, sendo considerado estupro simples de acordo com o princípio da estrita legalidade.
“A lei é a única forma de rotular como crime (ou contravenção penal) determinada conduta, obedecendo, inclusive, o princípio da reserva legal. O costume, na ausência de lei (praeter legem), não pode dar vida a novas figuras incriminadoras, embora tenha eficácia em outros setores do direito penal, v. G., atuando como causa supra legal de exclusão da ilicitude ou mesmo da culpabilidade.” (SANCHES, 2015, P.54)
Já a corrente conservadora considera o crime no dia do aniversario de quatorze anos da vítima como estupro qualificado, como leciona Rogério Greco (2016. P.786): “Se houver o constrangimento mediante o emprego de violência ou grave ameaça, no dia do seu aniversario que completava 14 anos, podemos entender como crime de estupro”.
4 AS FALSAS MEMÓRIAS E O CRIME DE ESTUPRO
Quando a palavra memória é pronunciada, geralmente é associada empiricamente ao passado, as experiências e sensações individuais dos seres humanos. Essa relação com o pretérito permite ao ser humano buscar o aprendizado por meio de experiências transeuntes.
Segundo Iván Izquierdo (2004, p 15): “A memória humana é caracterizada pela capacidade dos seres humanos de adquirir, conservar e evocar informações através de dispositivos neurobiológicos e da interação social”
No âmbito jurídico a memória tem grande importância, uma vez que no processo penal é relevante que seja evocado memórias sobre determinado acontecimento delituoso, corroborando no processo investigativo em busca da verdade perante aos fatos. Porém, existe o fenômeno das falsas memórias que pode fragilizar os depoimentos de testemunhas, vítimas e até mesmo o depoimento do réu sobre determinado contexto.
As falsas memórias são lembranças de determinado fato que não ocorreram, porém, o indivíduo acredita veemente na existência deste. Na literatura internacional esse fenômeno é foco de diversas pesquisas na busca da explicação sobre essa eventualidade, uma vez que existem questões em torno dos acontecimentos delituosos envolvendo crianças como vítimas de violências físicas e sexuais que prestam depoimentos. Esses depoimentos fragilizados pelas falsas memórias pode ter caráter decisivo tanto na vida da vítima, quanto na do réu. (STEIN, 2010)
No crime de estupro de vulnerável, a violência sofrida pela vítima que não detém capacidade suficiente de resistência, podem deixar sequelas físicas e psíquicas que podem ensejar uma desestabilização emocional, tornando prejudicada a recordação das lembranças do crime.
O processo de surgimento das falsas memórias pode ocorrer mediante fatores endógenos, como distorções, e por fatores externos, como por exemplo, informações falsas que são sugeridas ao indivíduo. Baseado nos estudos de Alfred Binet (1900) foi sugestionado à existência de dois tipos de memórias, a memória autossugerida e a memória deliberadamente sugerida, posteriormente tais termos foram denominados de falsas memórias espontâneas e sugeridas. As falsas memórias espontâneas são aquelas produto de alterações endógenas, as lembranças são modificadas internamente, como resultado do funcionamento da memória. Já as falsas memórias sugeridas vêm do meio externo, resulta das falsas informações que o indivíduo acaba incorporando a memória original. (STEIN, 2010)
O testemunho nos processos penais tende a ser o meio probatório mais recorrente e em alguns processos penais o único meio de prova. Pois, em uma grande porcentagem dos casos não há como recorrer a outros meios forenses de prova, como provas documentais ou periciais. Contudo, a testemunha vale-se da memória para a evocação do fato ocorrido que se pretende elucidar e suas nuances, então assim guiar o veredicto dos julgadores. Toda a importância do testemunho está concentrada na capacidade da vítima ou testemunha de evocar suas memórias e descrever o fato qual como ocorreu.
Diante da análise feita sobre as falsas memórias é possível reconhecer que na instrução criminal faz necessário que o interrogatório seja feito de maneira não tendenciosa, pois como já visto as falsas memórias podem ocorrer por informações externas, por tanto quanto mais determinante for a pergunta e menos sugestiva será melhor para não influenciar com informações errôneas o depoimento da vítima ou pergunta. Exemplos de perguntas que podem ser feitas de forma determinante: “Onde você viu o acusado? Como o acusado estava vestido?”. (LÓPEZ, 2011)
Percebe-se que a inexistência de perguntas sugestivas, faculta o depoente evocar sua memória sem a interferência de fatores externos, podendo reduzir o risco de uma falsa memória deliberadamente sugerida. Como as falsas memórias autossugeridas é um processo que ocorre na própria memória do depoente, é mais eficaz testemunhos por relato espontâneo, pois se presume que será sincero e puro.
Destarte que em crimes que há uma forte represália do corpo social direcionado ao réu, como por exemplo, os crimes de estupro em qualquer de suas modalidades, é preciso que haja uma cautela na análise dos depoimentos da vítima, porque por mais que o Estado tenha o dever de assegurar a punição do infrator, é preciso cautelar para que não haja punição de um inocente, uma vez que a vítima pode está debilitada emocionalmente para lembrança pura do fato, bem como pode está sendo induzida pelo fenômeno das falsas memórias, mesmo acreditando veemente na sua lembrança.
5 FRAGILIDADE DAS PROVAS
A alegação de um fato implica necessidade de meios para chegar à conclusão se houve ou não à ocorrência do mesmo, pode-se entender esse meio, como provas, por ter em seu conteúdo a evidência de determinado acontecimento.
No processo penal a prova é utilizada como instrumento probatório para formação do convencimento do juiz sobre determinada situação fática delituosa. Pode ser produzida pelas partes, pelos órgãos de persecução penal que são encarregados de apurar a existência de possíveis infrações penais ou pelo próprio juiz, tendo como finalidade restaurar determinado contexto fático presente no processo. (CARVALHO, 2009).
A prova é o elemento mais valoroso no Direito Penal, sendo a mesma muito importante para a comprovação da culpa ou inocência do réu. Pode ser utilizada para persuadir o juiz ou simplesmente dar conhecimento ao mesmo, podendo alcançar pessoas, lugares ou até mesmo documentos. Existem fatos que não necessitam de provas, como por exemplo, os axiomáticos (evidentes, de conhecimento popular e dispensam perícia técnica para comprovar); os notórios (verdade sabida); presunções legais (decorre da própria lei; fatos inúteis (não influenciam no caso). Já alguns fatos necessitam de provas, devendo ser admissível pela lei; pertinente (relação com o processo); concludente e possível para então serem validados. No processo não é permitido utilização de provas ilícitas, aquelas que foram obtidas por meio proibido, como por exemplo, a violação de domicílio e tortura.
Como exemplo de provas está a pericial, aquela que é utilizado um exame realizado por um perito a fim de comprovar tal acontecimento, como por exemplo, comprovar que houve o ato sexual com a vítima e a prova testemunhal, onde a pessoa narra o que sabe para o juiz. Quando ocorre o depoimento de uma criança deve ser analisada vários fatores, como a idade e análise se o fato realmente aconteceu ou é objeto de imaginação.
Os homens relacionam-se com o mundo externo por intermédio dos sentidos, dois deles faz jus a uma atenção especial, pois são relevantes quanto ao fator psicológico do agente, sendo eles: A visão e audição. Cabe uma breve alusão sobre a importância dos sentidos citados anteriormente. A acuidade visual pode ser definida como a capacidade com que conseguimos apreender e discriminar as particularidades das formas e contornos dos objetos, ou seja, em resumo a perspicuidade com que enxergamos, sendo essas “impressões” enviadas ao cérebro, para que o mesmo interprete a imagem. No tempo em que, a audição se traduz na faculdade de ouvir os sons e remetê ao cérebro para que haja o reconhecimento e interpretação, considerando um contexto fático.
Porém, um indivíduo pode deduzir algo erroneamente, quando processar informações estranhas a uma determinada circunstância. Importando ao processo penal, zelo e cautela ainda maiores quanto aos testemunhos, nos processos em que houver carência de provas substanciais, e os depoimentos figurem o principal meio de prova. Objetivando desse modo, constatar a verdade real dos fatos. Sopesando o delito em discussão, crimes sexuais cometidos contra vulneráveis, representa uma dificuldade ainda maior quanto à precisão do testemunho, se considerar a vulnerabilidade da vítima como um fator que dificulta a precisão dos depoimentos. No que desrespeito, ao testemunho da vítima, a compreensão de vulnerabilidade poderá ser considerada mais complexa, por terem tido a dignidade e liberdade sexual violada.
Quando diversas testemunhas presenciam a ocorrência do crime, compete aos magistrados uma árdua tarefa de analisar os relatos apresentados, pois cada indivíduo poderá compreender os fatos de maneira distinta. No caso de o testemunho ser discorrido por crianças, é preciso a observância de que no relato, há uma probabilidade de interferências fantasiosas prejudicarem a cognição no momento de sua exposição, pois se trata de uma criança em desenvolvimento mental, a qual poderá facilmente fazer confusão entre os fatos ocorridos e o que já estavam presentes anteriormente.
Caso não haja uma prova plena (condenação do réu) para formação do convencimento do juiz, levará sempre em conta o princípio in dubio pro reo conforme o artigo 386, VII do Código de Processo Penal.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O crime de estupro quando em seu polo passivo está um sujeito vulnerável exige dos operadores do direito uma atenção e dedicação ainda maior. Pois de um lado encontra-se uma vítima, que não conseguiu impedir a violação que a ela lhe foi imputada, por condições intrínsecas a sua condição de vulnerabilidade diante do seu “algoz”. Em contra partida, temos um sujeito ativo que por conta do alto grau de estigma que ser sujeito ativo desse tipo penal já vai lhe imputar não pode de modo algum enfrentar a incerteza ou omissão diante dos elementos probatórios que decidiram a cerca do cerceamento da sua liberdade como sanção ao crime cometido.
A fragilidade do meio probatório que em determinados casos é ineficaz ao provar a existência do fato ocorrido, pode acarretar em uma insegurança na formação da convicção. Porém tutelado pelo princípio do in dubio pro reo e pela presunção de inocência, o réu é inocente até que se prove o contrário e que haja sentença condenatória transitado em julgado, não podendo fazer uma analogia de modo que o réu seja culpado até que se configure essa inocência.
É valido reinteirar que é preciso cautela no processo de instrução criminal na busca da verdade, afastando a interpretação extensiva que é o marco do ativismo judicial no direito penal moderno e respeitando o devido processo legal, bem como o princípio da ampla defesa e do contraditório, para que o Estado não cometa um injusto penal que pode levar a danos irreparáveis.
REFERÊNCIAS
BITTENCOURT, C. R. Código Penal Comentado. 7ª ed. São Paulo. Editora Saraiva. 2012. P. 1050-1063.
SANCHES, R. C. Manual de Direito Penal Parte Especial. 7ª Ed. Salvador. Editora 2015. Juspodivm. P. 452.
SANCHES, R. C. Manual de Direito Penal Parte Geral. 5ª Ed. Salvador. Editora 2015 Juspodivm. P. 333.
GRECO, R. Curso de Direito Penal Parte Especial. 13ª edição. Ed. IMPETUS.
IZQUIERDO, I. Questões sobre Memória. São Leopoldo. Ed. Unisinos. 2004. P. 15-20
STEIN, L. M. Falsas Memórias: Fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Ed. Artmed. 2010. P. 19-84
LÓPEZ, E. M. Manual de Psicologia Jurídica. 2ª edição. São Paulo. Ed. Vida Livros. 2011. P 141-164
CARVALHO, D. E. Curso de Processo Penal. 2ª edição. Rio de Janeiro. Ed. Forense. 2009.
[1] Lei 12.015/2009, publicada no Diário Oficial da União em 07 de agosto de 2009. Altera o Título VI da Parte Especial do Decreto-Lei no 2.848, de 07 de dezembro de 1940 - Código Penal, e o art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do inciso XLIII do art. 5o da Constituição Federal e revoga a Lei no 2.252, de 1o de julho de 1954, que trata de corrupção de menores.
[2] Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, Art. 1º, incisos V e VI.
[3] “O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.” (Art. 20, Código Penal Brasileiro)
[4] “a cópula secundum naturam”, ajuntamento do órgão genital do homem com o da mulher, a intromissão do pênis na cavidade vaginal. (HUNGRIA, 1958 apud GRECO, 2016, p.13)
[5] Por "iter criminis", ou caminho percorrido pelo crime, entende-se o conjunto de fases que se sucedem cronologicamente no desenvolvimento do delito doloso. (SANCHES, 2015, p. 333)
[6] O resultado de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido (Artigo 13, Código Penal Brasileiro).
[7] Lei Nº 12.015, de 7 de agosto de 2009. Art. 225 P. Único. Art. 234-B
Monalysa Ramos
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