Mães com filhos de até 12 anos podem solicitar a substituição da prisão preventiva por outra medida cautelar como a prisão domiciliar
De acordo com a lei nº 13.257, de março de 2016, que alterou artigos do Código de Processo Penal, gestantes ou mulheres com filhos de até 12 anos de idade e que ainda não foram condenadas pela Justiça podem requerer a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar.
O entendimento acerca da substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar para gestantes deriva da 65º Assembléia Geral da ONU, realizada em 2010, que aprovou regras mínimas para as Mulheres Presas, dentre as quais a obrigação dos Estados-Membros em desenvolver “opções de medidas e alternativas à prisão preventiva e à pena especificamente voltada às mulheres infratoras, dentro do sistema jurídico do Estado Membro, considerando o histórico de vitimização de diversas mulheres e suas responsabilidades maternas”. Ainda que do ponto de vista formal, resoluções ou declarações (a menos que veiculem normas ius cogens) não sejam vinculantes, estas são muitas vezes referidas em decisões do Supremo Tribunal Federal.
Esse foi o embasamento utilizando pelo ministro Ricardo Lewandowski no julgamento do Habeas Corpus (126107/SP) o qual foi concedido de oficio, para determinar a substituição da prisão preventiva da paciente – acusada do tipo do art. 33 da Lei 11.343/06 por prisão domiciliar. No caso em tela, a Defensoria Pública alegou que:
(i) a paciente é portadora de cardiopatia grave;
(ii) estava em estágio avançado de gestação e;
(iii) se encontrava em lugar inadequado para o cumprimento de pena
Dada a gravidade da situação, o STF conheceu a ordem de ofício, baseando-se principalmente nas orientações normativas internacionais que vem privilegiando medidas alternativas à prisão preventiva à mulheres infratoras.
Medidas essas que ganham especial relevo em países que ainda não possuem uma Política Criminal de Drogas clara, voltada para redução de danos. Os efeitos no corpo social de uma Política Criminal pautada ainda em ideologias de segurança nacional e defesa social, com predominância do policiamento ostensivo, é o encarceramento em massa da população em situação de vulnerabilidade, em especial nos grandes centros. Dentre essa grande massa estão as mulheres, das quais 63% respondem pelo crime de tráfico de drogas.
Previsão legal da prisão domiciliar.
Se muitos tribunais de justiça nem sequer obedecem súmulas dos tribunais superiores, o que dizer inspirar-se por julgados de controle concreto difuso de constitucionalidade ou mais ainda pelo Código de Processo Penal que no art. 318, V autoriza os juízes a substituir a prisão preventiva pela domiciliar de mulher com filho de até 12 anos de idade incompletos.
Doutrina. Princípio com previsão constitucional. Fundamentos da nova lei (Lei 13.257/16).
De acordo com o ministro, a doutrina da proteção integral e o princípio da prioridade absoluta à infância, previstos no artigo 227 da Constituição, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, ocupam uma “posição central” no ordenamento jurídico brasileiro.
Entre várias outras inovações legislativas, o Estatuto da Primeira Infância alterou o artigo 318 do Código de Processo Penal para permitir que a prisão preventiva seja substituída pela domiciliar quando se tratar de mulher gestante ou com filho de até 12 anos incompletos. Essa possibilidade, segundo Rogério Schietti Cruz, ministro do Superior Tribunal de Justiça, está perfeitamente ajustada aos fundamentos da nova lei, especialmente ao “fortalecimento da família no exercício de sua função de cuidado e educação de seus filhos na primeira infância”
Na audiência de custódia.
A resolução do CNJ (n. 213 de 2015) determina verificar na audiência de custódia se há cabimento de liberdade provisória, em hipótese de gravidez, filhos ou dependentes sob cuidado da mãe presa em flagrante, se possui histórico de doença grave, incluída aí a dependência química, para encaminhamento assistencial.
Casos concretos
Na última semana, a TV Tribunal foi até o Presídio Santa Luzia para conhecer a história de detentas que pretendem solicitar esse benefício.
Presa há dois meses por suposto envolvimento em tráfico de drogas, Diana deu à luz a pequena Gabriela no sistema penitenciário e hoje divide um espaço voltado para grávidas e lactantes com mais cinco detentas. Natural de Arapiraca, ela tem ainda dois outros filhos de cinco e dois anos de idade. “É bem difícil ficar longe dos outros filhos, da família, tudo é muito difícil", disse Diana.
Leandra, mãe de sete filhos e presa há menos de um mês, descobriu que estava grávida pouco depois de chegar ao presídio. “Me bate uma saudade, eu sinto muita falta deles. Eu fico pensando neles, se eles estão sendo bem tratados. Quando fui presa, pedi à minha família para cuidarem muito bem dos meus filhos, só isso que me machuca”, disse Leandra.
Até agora, apenas Diana solicitou, com a ajuda da Defensoria Pública, a prisão domiciliar. Para o juiz José Braga Neto, titular da 16ª Vara Criminal da Capital - Execuções Penais, essa medida busca preservar a criança, que necessita de um cuidado especial.
Caso polêmico.
Outro caso polêmico e que foi muito debatido foi acerca da notícia da prisão de Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador Cabral, mesmo com dois filhos de 11 e 14 anos, decisão essa que foi revertida pelo STJ.
O porquê da prisão domiciliar. Proteção do menor
“Num momento em que a mãe é tirada do seio da família, pela acusação de um crime que ela supostamente cometeu, pode gerar um trauma na criança, que muitas vezes não entende nada do que aconteceu. O que ela sabe é que a mãe se afastou e não está vendo a mãe no cotidiano, isso gera um transtorno muito grande no desenvolvimento da criança”, explicou.
A prisão domiciliar visa proteger esses filhos menores que precisam mais de atenção, orientação, educação, pois sem os cuidados de uma mãe, cuidados esse insubstituíveis, incomparável com os cuidados de um pai, de um tio, da avó, podendo a ausência da mãe acarretar problemas sociais, pois um adolescente sem uma criação correta tem mais chances de ir para a rua delinqüir. (GARCIA, Ana Paula Domingues).
A possibilidade decorre da Lei 13.257/16, conhecida como marco legal da primeira infância, mas muito antes já vigorava no Brasil a Convenção dos direitos da Criança (Decreto n. 99.710/90), em que se estabeleceu o dever do poder público de levar em conta “o interesse maior da criança”. E no caso de uma lei ou outro tratado internacional que sejam por ventura mais favoráveis à criança do que a Convenção, deve esta ceder em prol de uma interpretação mais favorável à criança nos termos do art. 41.
Pai preso. Possui o mesmo tratamento?
Os homens devem provar que são os únicos responsáveis pelos cuidados dos filhos.
Em caso de genitor que não provou cabalmente “a essencialidade dos cuidados” do filho, o STJ não substituiu a preventiva por domiciliar (RHC 81300).
Já para as mulheres o requisito legal é de que estejam grávidas ou possuam filhos menores de 12 anos.
Porque prisão preventiva se ao final serão condenadas ao regime inicial aberto?
O que dizer, então, de muitos juízes que mantêm as prisões preventivas, em muitos casos de mulas, de mulheres sem vinculação com o crime organizado, sendo que estas serão condenadas ao regime inicial aberto de cumprimento de pena?
Excepcionalidade da prisão
O magistrado José Braga Neto explicou ainda que a prisão deve ser uma excepcionalidade. “Se uma mulher tem filho adolescente ou criancinha, não oferece riscos à sociedade e a possibilidade de ela voltar a delinquir é mínima, pode-se perfeitamente substituir a prisão por uma dessas medidas cautelares”.
A possibilidade de prisão domiciliar não exclui absolutamente a discussão sobre o papel de mãe atribuído à mulher, reforçado por esta prescrição normativa, donde a importância primordial de se dar voz (e nossos ouvidos) ao que tem a dizer as mulheres encarceradas.
A medida da prisão domiciliar é substitutiva da prisão preventiva. Se esta não for cabível, por não preenchimento dos requisitos do CPP, também não será cabível a prisão domiciliar. GARCIA, Ana Paula Domingues)
Outras perguntas importantes se fazem ainda, como: a) E se a tal prisão domiciliar for o domicílio do marido ou namorado violento? B) E se for decretada a prisão domiciliar e ninguém da família ajudar com o sustento dos filhos? Isso os juízes perguntam? Daí a imperiosa necessidade da articulação do sistema de justiça com o sistema de assistência social.
Requisitos:
Aí cabem mais questionamentos sobre os requisitos para o recolhimento domiciliar da medida cautelar diversa da prisão como o de residência fixa e o de trabalho com carteira assinada.
Problemas: pois sabemos que grande parte das mulheres é discriminada no mercado de trabalho e trabalha no mercado informal, para não dizer que algumas ainda complementam renda com o tráfico de drogas.
Há um contexto de vulnerabilidade, de discriminação estrutural, mas não só, para não repetir leituras estereotipadas sobre mulher, pois esta age por vontade própria, o que exige que história de cada mulher encarcerada possa ser contada (e ouvida).
Necessidade de conexões com outras medidas.
Em um contexto em que as mulheres já são discriminadas por receberem menos no mercado formal, sendo que muitas estão no mercado informal, deve-se pensar em condições da emancipação econômica feminina.
Aprimorar a política de cuidados com as crianças nos exige debater em que condições se dá a prisão domiciliar, se há ou não articulação com a política de assistência social e com políticas para autonomia econômica das mulheres, enquanto, é claro, não tivermos uma agenda mais consistente pelo desencarceramento de massa pondo fim a guerra às drogas (que é uma guerra contra pessoas).
Faculdade do juiz. Caso concreto.
O ministro do Superior Tribunal de Justiça Rogério Schietti Cruz, afirmou que o artigo 318 do Código de Processo Penal traz uma faculdade, e não uma obrigação ao juiz. Do contrário, disse, “toda pessoa com prole na idade indicada no texto legal” teria assegurada a prisão domiciliar, mesmo que fosse identificada a necessidade de medida mais severa.
No entanto, ao analisar as particularidades do caso, Schietti considerou cabível o benefício da prisão domiciliar, pois a jovem, além de mãe e gestante (dois requisitos do Código de Processo Penal), é primária, tem residência fixa e não demonstrou periculosidade que justificasse a prisão preventiva como única hipótese de proteção à ordem pública.
A liminar foi concedida em Habeas Corpus impetrado pela Defensoria Pública de São Paulo. Com isso, a acusada poderá permanecer em prisão domiciliar até o julgamento do mérito pela 6ª Turma do STJ. (HC 351.494)
Âmbito jurídico
Conjur
Ana Paula Domingues Garcia
Advogada
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