Dezembro/2013 – Um casal divorcia e o pai abandona material e afetivamente seu filho e sua ex-esposa.
Fevereiro/2015 – Essa mãe fica desempregada e procura meu escritório para ingressar com uma ação de alimentos em desfavor do pai e em benefício da criança.
Obs. Primeiro eu orientei essa mãe como ela deveria fazer para ingressar na justiça através da Defensoria Pública, tendo em vista que ela não possuía condições de arcar com honorários advocatícios. Ela tentou, por dois meses, ser atendida pela Defensoria, mas não conseguia senha.
Obs. As senhas da Defensoria Pública para ingressar com as ações são distribuídas uma vez por mês. Para pegar a senha as 08h00min, a pessoa precisa chegar pelo menos as 23h00 do dia anterior no local e esperar sentada em fila na calçada como se fosse mendiga durante horas e horas.
Março/2015 – Não conseguiu pegar a senha na Defensoria.
Abril/2015 – não conseguiu pegar a senha na Defensoria.
Maio/2015 – retornou ao meu escritório com as más notícias e me narrando que seus filhos literalmente passavam fome.
Parei tudo o que estava fazendo e entrei com a ação para essa mulher o mais rápido que pude.
Quando o filho é menor de idade, como era o caso, o juiz já fixa alimentos provisórios em seu primeiro despacho/decisão (não é despacito 😂😂😂), o que acontece relativamente rápido (a depender da Vara de Família 😂😂😂), porém, tínhamos um problema: o pai da criança morava em outra cidade (conhecida pela absoluta ineficiência do Poder Judiciário).
Obs. Não vou entrar em muitos detalhes do caso, pois quero preservar ao máximo a identidade dos envolvidos, portanto, estou narrando coisas que acontecem em muitos processos que tramitam nas varas de família em todo o território nacional. Destaco, ainda, que o processo corre sobre segredo de justiça.
Obs. Um juiz não pode mandar um oficial de justiça de outra comarca (cidade) citar um réu, pois seu poder fica adstrito à comarca em que atua. Desta forma, o juiz precisa citar esse indivíduo por Carta Precatória.
Para os leigos, vou tentar explicar o quão absurda/ineficiente/asquerosa/burocrática é uma carta precatória.
Bem, o juiz escreve seu despacito (😂😂😂) mandando citar o Réu e com o valor da pensão a ser paga (alimentos provisórios) e a secretaria designa data e horário para a audiência de conciliação. Esse documento com os dados do processo, valor dos alimentos, endereço do réu e data da audiência é enviado via malote-digital (e-mail) ao Fórum da comarca onde reside o pai que não paga pensão alimentícia. O Fórum distribui aquele conteúdo como um processo e este processo cai em alguma das varas de família. O juiz responsável que teve o processo distribuído em sua vara manda o oficial de justiça citar o Réu. O oficial vai até a casa do réu e depois retorna ao processo dizendo se conseguiu ou não cita-lo. Se o oficial não conseguir citar o réu, o mandado é devolvido não cumprido e o juiz me intima para que eu alegue “o que entender de direito”.
2016
Não preciso dizer que todo esse caminho da carta precatória é extremamente lento. Neste caso, o juiz designou audiência para 03 meses depois da sua decisão. Quatro meses depois, o juiz da cidade em que o pai que não paga pensão devolveu o mandado dizendo que não deu tempo de citar o pai. Olhem que absurdo! Todo o procedimento infinito de uma carta precatória só pro juiz dizer que não deu tempo!
Peticionei nos autos pedindo para que o juiz apenas mandasse citar o Réu para apresentar contestação, sem data de audiência de conciliação, para não corrermos mais esse risco de “não deu tempo”.
O juiz entendeu não ser caso de não marcar audiência e tentou novamente citar o Réu (com 05 meses de prazo para a audiência). O mesmo problema aconteceu de novo! O juiz da outra cidade devolveu dizendo que não deu tempo de citá-lo a tempo para a audiência.
2017
Fui ao gabinete do juiz e pedi encarecidamente para não mais marcar audiência de conciliação por motivos óbvios (e assim foi feito).
Atualmente, o processo está lá na cidade do pai e simplesmente não anda. Já contratei correspondentes (advogados) da cidade para me auxiliar, mas ainda sem sucesso.
O que eu queria destacar deste caso apresentado é o seguinte:
A mãe se sentiu absolutamente humilhada por tudo isso o que aconteceu. No momento em que estava desempregada e seus filhos passavam fome, chegou a entrar em contato com o pai pedindo dinheiro, pelo menos até que se restabelecesse no mercado de trabalho. O pai da criança riu dela no telefone e disse que o processo era um “blefe”, que se ela tivesse entrado de verdade ele já teria sido citado há muito tempo. Ainda disse que ela queria o dinheiro para ela própria! Para gastar com roupas e festas!
Essa cliente me ligou um dia e pediu para desistir da ação, dizendo algo mais ou menos assim: “a dor causada pela expectativa desse processo é maior do que a dor de saber que não existe processo algum, pois pelo menos assim eu saberei que estou verdadeiramente sozinha e sem ajuda na criação do meu filho. Não aguento mais esperar, é muita humilhação.”
Falei para ela agir como se tivesse desistido da ação e que, cedo ou tarde (tarde ou tarde), algo de bom haveria de acontecer. Ela concordou.

Estevan Facure
Sócio Proprietário do Escritório Lellis & Facure Advogados.
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