O funcionalismo penal surgiu na Alemanha, no início dos anos 70, é uma teoria que pretende revisar os elementos que compõe o conceito analítico de crime (conduta humana, tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade), bem como da teoria da pena, à luz dos valores de política criminal vigentes na sociedade atual. No Direito Penal tem como premissa o seguinte: o Direito em geral e o Direito penal em particular, é instrumento que se destina a garantir a funcionalidade e a eficácia do sistema social e dos seus subsistemas.
Sua principal inspiração vem das teorias sociológicas de Niklas Luhmann cuja teoria dos sistemas lançou as bases necessárias ao desenvolvimento do que hoje se entende por funcionalismo penal. Outra contribuição especialmente valiosa para o desenvolvimento da doutrina advém das ideias trazidas à lume Jurgen Hebermas, em especial em seu clássico Faktizität und Geltung.
Ele demonstra, nesta obra, a necessidade de uma funcionalização do sistema jurídico revisando-o a partir de uma compreensão normativa (axiológica) e não meramente adstrita aos mecanismos de positivação. O espaço jurídico marcado pela tensão entre poder político e autonomia dos cidadãos, ou, em última análise por uma tensão entre norma positiva e realidade, deve ser permeado pelo influxo dos valores sociais relevantes, derivado do consenso proveniente das mais variadas ações comunicativas travadas no seio social. O direito, destarte, funcionaria como uma instância mediadora entre o sistema social e os anseios comunicativos reais provenientes da complexidade social.
Esse funcionalismo nada mais é do que uma tentativa de aproximação dos valores políticos-criminais vigentes – obtidos através dos influxos comunicativos travados no meio social – projetando-os sobre a dogmática clássica, de índole positivista, que embora detenha o grande mérito, principalmente no plano metodológico, de bem sistematizar a teoria do delito, simplesmente “fechou os olhos” para os demais valores que compõem a vida em sociedade.
Durante o século passado, a grande maioria dos autores propôs que a construção do trabalho sistemático em Direito Penal devesse ser alheia e, além disso, contrária a toda espécie de finalidade político-criminal. Esse tipo de opinião se mostrava claramente formulado, por exemplo, na obra de Von Liszt. Tal pensamento carrega, indiscutivelmente, uma influência do positivismo (jurídico), segundo o qual a dogmática deve ser analisada sem qualquer influência das dimensões sociais ou políticas.
Disso resulta um sistema voltado à elaboração de soluções inequívocas e uniformes na aplicação do Direito Penal, ainda que nem sempre se mostrem justas.
Preocupando-se com esse problema, Jescheck propôs que o importante deve ser sempre a “solução da questão de fato”, devendo as exigências sistemáticas ocupar um segundo plano na aplicação do Direito Penal.
Roxin, na mesma esteira, aduz que os problemas político-criminais configuram o conteúdo próprio da teoria geral do delito. O sistema jurídico-penal, desse modo, deve ser orientado pela busca de soluções justas (isto é, político-criminalmente satisfatórias), não se admitindo mais a separação entre dogmática penal e política criminal, como tradicionalmente concebida. Assim, para o autor: ”[...] o caminho correto só pode consistir em deixar penetrar as decisões valorativas político- criminais no sistema do Direito Penal, em que sua fundamentação lega, sua clareza e legitimação, sua combinação livre de contradições e seus efeitos não estejam sob o enfoque das abordagens do sistema formal positivista proveniente de Liszt. [...]. A vinculação entre Direito e a utilidade político-criminal não pode se contradizer, mas devem harmonizar-se em uma síntese, do mesmo modo que o Estado de Direito e o estado social não formam em verdade contrastes inconciliáveis, mas uma unidade dialética. Uma ordem estatal sem uma justiça social não forma um Estado material de Direito.”
A partir da unidade sistemática entre política criminal e dogmática penal, a teoria do crime estrutura-se de modo que todas as “categorias concretas de delito (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade) devem sistematizar-se, desenvolver-se e contemplar-se desde o início sob o prisma de sua função político-criminal e não segundo prévios ontológicos (ação, causalidades, estruturas lógico-reais etc.).
Em matéria da teoria do crime, o funcionalismo contém dois componentes nucleares:
A teoria da imputação ao tipo objetivo (ou teoria da imputação objetiva), que condiciona a imputação de um resultado à criação de um perigo não permitido dentro do alcance do tipo.
“A importância objetiva, ao considerar a ação típica uma realização de um risco permitido dentro do alcance do tipo, estrutura o ilícito à luz da função do direito penal. Esta teoria utiliza-se de valorações constitutivas da ação típica (risco não permitido, alcance do tipo), abstraindo de suas variadas manifestações ônticas.”
Expansão do conceito de culpabilidade para uma ideia de responsabilidade, resultando daí que aquela, como condição indispensável para imposição da pena, deve aliar-se a necessidades preventivas da sanção penal (a culpabilidade e as exigências de prevenção limitam-se reciprocamente, e alguém só será penalmente responsável, se ambos concorrerem simultaneamente).
Outro importante adepto do funcionalismo, juntamente com Roxin, é Gunther Jakobs.
Há uma diferença fundamental, todavia, entre a concepção destes autores, porquanto divergem quanto à missão do Direito Penal. Para Roxin, trata-se da proteção subsidiária de bens jurídicos (funcionalismo racional-teleológico). Para Jakobs, não é a proteção de bens jurídicos, mas a garantia da vigência e do respeito às normas (funcionalismo sistêmico).
Pode-se dizer, ainda, que o funcionalismo de Roxin é moderado em comparação ao de Jakobs, uma vez que aquele admite seja o Direito Penal submetido a limites exteriores ao sistema penal. Na concepção de Jakobs, entretanto, nota-se um funcionalismo monista ou exacerbado, em que o sistema penal considera-se fechado (auto-poiético), não se admitindo ingerências externas como fatores que o limitariam. Apenas em Roxin é que o funcionalismo encontra limites na realidade empírica.
O crime, do ponto de vista analítico, permanece compreendido como injusto (fato típico e antijurídico) culpável. O injusto não é puramente objetivo, como nos sistemas clássico e neoclássico, mas contém o dolo (elemento subjetivo) e a culpa (elemento normativo).
De maneira mais desdobrada, segundo Roxin, seus elementos estruturais são a conduta, a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade.
A contribuição intrassistemática mais relevante é a utilização da imputação como critério que substitui (Roxin) ou restringe (Jakobs) a relação de causalidade fundamentada na teoria da equivalência dos antecedentes ou da conditio sine qua nom.
A antijuridicidade é, em parte, esvaziada, isto é, tem seu conteúdo reduzido, uma vez que diversas situações tradicionalmente solucionadas sob seu manto (como os casos de consentimento do ofendido, violência desportiva e intervenções médio-cirúrgicas) são analisadas à luz da teoria da imputação objetiva, como hipóteses em que o comportamento do agente é penalmente atípico por gerar riscos permitidos.
A culpabilidade, por fim, deixa de ser considerada como reprovabilidade do ato, visão que subsistiu por ser quase um século e até hoje ainda tem grande aceitação, passando a ser expandida para a noção de responsabilidade.
O funcionalismo, tem recebido, como é natural, diversas críticas, notadamente neste início de milênio. Algumas delas dirigem-se contra aspectos intrassistemáticos.
Estas comumente questionam a teoria da imputação objetiva.
Há também questionamentos quanto à opção de sobrelevar a importância da política criminal e fundi-la com a dogmática, que misturaria a missão do legislador (elaborar a política criminal) com a do jurista (responsável pela teoria).
Registre, ainda, que críticas, há as quais se voltam contra a opção metodológica, consistente em se abrir mão de aspectos prévios ontológicos, isto é, de realidade pré-jurídicas que deveriam moldar a teoria do crime (finalismo).
Na minha opinião, a teoria de Roxin é melhor, pois ele se preocupa com o caso concreto, com os fatos do dia a dia, com o que acontece na sociedade, diferente do Jakobs, o qual se preocupa somente com a norma, com os efeitos gerados por ela, se vai implicar em bom resultado na sociedade ou não na visão do direito penal, ele não se preocupa com o que acontece com os cidadãos dentro de uma sociedade.
Por fim, conclui-se que a ideia de que o Direito Penal deve ser orientado a satisfazer as necessidades de uma nova sociedade, consistindo, pois, em um sistema aberto a novas políticas criminais é por demais atraente, merecendo novos estudos e reflexões sobre o tema de um sistema penal teologicamente orientado.
Referências Bibliográficas:
André Estefan, Curso de Direito Penal
5 edição, Saraiva, 2016

Maria Luiza Segato
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