Cobertura Parcial Temporária - CPT e Carência
Introdução
A Cobertura Parcial Temporária (CPT) está prevista no artigo 11, da Lei 9.656/98. Uma vez adotada, a CPT exclui temporariamente, do âmbito contratual, a cobertura a doenças ou lesões que já acometem o consumidor quando da adesão ao plano, ou seja, doenças e lesões preexistentes à assinatura do contrato (DLP), das quais o consumidor já seja conhecedor, ou lhe seja dada ciência no ato da contratação.
O artigo 11, da Lei 9.656/98, veda que as doenças e lesões preexistentes sejam excluídas da cobertura contratual, após vinte e quatro meses de vigência do contrato. Portanto, por um lado, esse dispositivo impede que a operadora de planos de saúde recuse contratar com doentes, ou deixe de dar cobertura a doenças e lesões já instaladas ou existentes no momento da contratação, mas, por outro, concede um prazo, de até 24 meses, dentro do qual, tais lesões ou doenças não são cobertas.
Com a exclusão do âmbito contratual de uma ou mais doenças ou lesões preexistentes, o contrato oferecerá, por tempo determinado, apenas parte da cobertura assistencial prevista no artigo 10 e demais dispositivos da Lei 9.656/98, daí o nome “Cobertura Parcial Temporária”, que não se confunde a carência prevista no artigo 12, V, da mesma lei. Carência e cobertura parcial temporária são institutos diferentes, previstos em artigos distintos, embora apresentem semelhanças que podem levar a uma indevida identificação ou confusão por parte do intérprete.
Cobertura Parcial Temporária e Períodos de Carência
Os períodos de carência estabelecidos por lei e a cláusula de cobertura parcial temporária têm em comum a preservação da aleatoriedade do contrato de plano de saúde, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do plano e a fixação de prazos razoáveis para a fruição plena da cobertura contratual.
Divergem, contudo, quanto ao objeto. Enquanto a carência contratual aplica-se a todo e qualquer consumidor que contrate um plano de saúde, a cobertura parcial temporária aplica-se a determinado contrato, em razão das condições de saúde específicas e individuais do consumidor contratante.
Tanto a carência como a CPT impedem a estipulação de coberturas parciais definitivas e a imposição de prazos muito longos para o início da fruição completa da garantia contratual. Nesse aspecto, atendem aos interesses dos consumidores, que não querem ficar sujeitos a restrições graves, ou a imposições que possam ser consideradas muito restritivas.
Por outro lado, são obstáculos ao enriquecimento ilícito por parte do consumidor, que pode ocorrer no caso de deliberada adesão a um plano, apenas quando já instalado um problema de saúde, ou necessidade de realizar consultas e exames. Nesse caso o plano seria usado como sucedâneo financeiramente vantajoso à contratação particular de serviços médico-hospitalares ou odontológicos, ou para evitar a utilização da rede pública, pelo Sistema Único de Saúde – SUS, no geral considerada de qualidade inferior à rede privada. Sob essa ótica, essas disposições legais impedem que o plano de saúde seja buscado apenas em momentos de necessidade, inviabilizando o sistema.
A disposição da lei é um meio termo entre os interesses individuais dos consumidores e os interesses coletivos do grupo de beneficiários vinculado ao mesmo plano, que são comuns à própria operadora, que é o equilíbrio econômico-financeiro do plano de saúde e a utilização adequada dos recursos disponíveis.
Analisadas em conjunto as semelhanças e diferenças, que aproximam e distanciam cobertura parcial temporária e carência, verifica-se que, apesar de próximas, são institutos realmente distintos. A cobertura parcial temporária é aplicável às pessoas sabidamente portadoras de doenças e lesões preexistentes à contratação do plano, enquanto a cláusula de carência tem por objeto as pessoas que não são ou não têm ciência de doenças ou lesões de que são portadoras, já no momento da adesão contratual.
Note que o alvo das duas cláusulas é distinto. A CPT mira o caso individual e concreto, diante da ciência de uma doença ou lesão instalada e conhecida. A carência é uma cláusula de barreira geral, que cede frente à novidade e à surpresa (urgência ou emergência). A Lei 9.656/98 trata distintamente a pré-ciência e a surpresa e o faz corretamente, porque são situações diferentes, que merecem tratamento também diferente, como orienta o princípio da igualdade: tratamento desigual aos desiguais.
É possível e interessante fazer um paralelo com o direito comum. Quando trata do contrato aleatório de venda, o CC/2002, nos artigos 460 e 461, dispõe que o vendedor de coisas existentes, mas expostas a risco, assumido pelo adquirente, terá direito a todo o preço, mesmo que a coisa já não existisse, em parte, ou de todo, no dia do contrato. Entretanto, poderá ser anulada como dolosa, se o prejudicado provar que o outro contratante não ignorava a consumação do risco, a que no contrato se considerava exposta a coisa.
Na mesma linha, o CC/2002 exorta as partes do contrato de seguro a agirem na mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes (art. 765). Também pune o segurador que, ao tempo do contrato, sabe estar passado o risco de que o segurado se pretende cobrir.
Como se pode ver com os exemplos acima, no âmbito dos contratos aleatórios, do qual o seguro e o plano de saúde fazem parte, a ciência por uma das partes, de que, ao tempo do contrato, o risco estava afastado ou já consumado, macula a avença e atrai consequências ao contratante que agiu de má-fé. Essas disposições também preservam a lisura do negócio jurídico, evitando que uma das partes obtenha vantagem sobre a outra, com ocultação de informações sensíveis ao contrato, comportamento de má-fé, que se assemelha ao ardil de que trata o crime de estelionato[1].
Voltando ao campo dos planos de saúde, é forçoso reconhecer que a cobertura parcial temporária para doenças e lesões preexistentes nada mais é do que a mitigação, em favor do consumidor, das regras gerais, que afastam – ou permitem afastar – do âmbito do contrato aleatório, o risco já consumado. Dessa forma, nos termos do artigo 11, da Lei 9.656/98, a operadora de planos de saúde poderá excluir, temporariamente, da cobertura assistencial, os tratamentos para as doenças ou lesões preexistentes.
O prazo máximo de CPT é de 24 meses, previsto no artigo 11, enquanto o artigo 12, VI, da Lei 9.656 estabelece prazos máximos de carência de 300 dias para partos a termo, 180 dias para os demais casos e 24 horas para a cobertura dos casos de urgência e emergência. Como se vê, o prazo máximo de Cobertura Parcial Temporária é mais que o dobro do maior prazo de carência.
A equidade da disposição sobre CPT pode ser compreendida a partir da identificação do bem jurídico protegido. Quando a lei exclui doença ou lesão preexistente por um determinado lapso temporal, é porque pressupõe grande possibilidade de o consumidor necessitar de assistência à saúde, para aquela doença que ele já apresenta na contratação, dentro de um prazo de 24 meses, não sendo justa a obtenção desse atendimento, por parte do consumidor, pelo custo da mensalidade do plano de saúde e, não, pelo preço do tratamento. É necessária uma certa capitalização prévia do plano, com o pagamento de mensalidades por 24 meses.
O plano de saúde é um negócio jurídico para os precavidos, é um contrato para os cautelosos. Sua característica de contrato aleatório exclui de seu âmbito de proteção, por prazo determinado, o ônus decorrente da doença ou da lesão previamente conhecida e identificada. A lesão ou doença instalada e conhecida pelo consumidor é um fato consumado e não um risco a ser garantido. O plano de saúde não é o negócio jurídico adequado para essa situação. Para tais casos, o paciente deve contratar serviços particulares ou utilizar a rede pública de saúde.
Carência de 24 Horas nos Casos de DLP
Muitas são as hipóteses fáticas de aplicação concomitante da CTP e da carência, como no caso, por exemplo, em que o beneficiário está sujeito ao prazo de carência de cento e oitenta dias para exames e cirurgias em geral, e CPT de 24 meses para cirurgias relacionadas a uma determinada patologia preexistente.
Note-se que no exemplo as situações não se confundem. O beneficiário ficará sujeito aos prazos gerais de carência para os tratamentos de doenças não conhecidas previamente à contratação, e ao prazo de cobertura parcial temporária para aquelas doenças e lesões preexistentes. Os dois institutos convivem sem confusão.
Entretanto, há uma hipótese que frequentemente é levada ao Judiciário e que resulta em decisões divergentes. Trata-se da pretensão de aplicação do prazo de carência de 24 horas para os casos de urgência ou emergência, quando o beneficiário está em cobertura parcial temporária, dentro do prazo de 24 meses previsto em lei.
Não há dúvida de que o prazo máximo de 24 horas é aplicável a todas as ocorrências classificadas como urgência ou emergência, pelo médico assistente, relacionadas a doenças ou lesões não conhecidas ao tempo da contratação, ou que surjam após esse momento, como no caso de um acidente, de uma infecção adquirida após a contratação, uma doença silenciosa e desconhecida, que se manifeste de repente, pois essas ocorrências não podem ser objeto de cobertura parcial temporária.
Mas o que ocorre se a situação de urgência ou emergência surge em razão de doença já conhecida pelo beneficiário e que foi por ele declarada, ou identificada pela operadora no momento da contratação e excluída temporariamente da cobertura contratual, através de cláusula específica (CPT), nos termos do artigo 11, da lei 9.656/98? Nesse caso, o prazo de 24 meses de cobertura parcial temporária cede frente ao prazo de carência, de 24 horas, ou não?
Seguindo a lógica do raciocínio desenvolvido até este momento, o prazo de carência de 24 horas, para os casos de urgência ou emergência, não revoga e não se sobrepõe ao prazo de 24 meses aplicável às doenças e lesões preexistentes (DLP), especialmente quando expressamente estipulada cláusula de cobertura parcial temporária, ou seja, quando não haja dúvida da anterioridade e da ciência da lesão ou doença que se pretende cobertura pelo plano de saúde.
Sob o ponto de vista prático, isso se dá porque o prazo de cobertura parcial temporária existe justamente para impedir a utilização imediata do plano, ou em curto prazo, por pessoas que sabidamente são portadoras de patologias que, com grande probabilidade, vão demandar assistência à saúde em leitos de alta tecnologia, procedimentos de alta complexidade ou procedimentos cirúrgicos, no futuro imediato de 24 meses.
Embora a Lei 9.656/98 nada diga a respeito, a Agência Nacional de Saúde Suplementar, através da RN Nº 162, restringiu a estipulação de cobertura parcial temporária ao âmbito dos casos que demandarem procedimentos cirúrgicos, leitos de alta tecnologia e procedimentos de alta complexidade, restando cobertos os demais atendimentos relacionados às doenças preexistentes, que não se enquadrem nessas definições
Assim sendo, o beneficiário portador de doença ou lesão preexistente cumprirá as carências normais para tratamentos não inseridos na cláusula de cobertura parcial temporária e, quanto aos inseridos, ficará sujeito ao prazo de até 24 meses, conforme estipulação contratual.
As patologias já instaladas são excluídas temporariamente da cobertura assistencial porque podem agudizar e resultar em casos de urgência ou emergência, em um prazo de 24 meses. Portanto, considerar que os casos de urgência ou emergência devem ser atendidos pela operadora de planos de saúde após 24 horas, mesmo quando vigente CPT, é um contrassenso e uma violação frontal do artigo 11, da Lei 9.656/98.
Nesse sentido, correta a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento da apelação cível nº 1037347-85.2016.8.26.0100, da relatoria do desembargador José Carlos Ferreira Alves, que afastou a cobertura de doença preexistente. No entanto, são muitas as decisões que determinam, havendo urgência, a aplicação do prazo de carência máximo de 24 horas para casos que são de cobertura parcial temporária, como no julgamento, também pelo TJSP, da apelação cível nº 1028621-28.2016.8.26.0002, relatora a Desembargadora Christine Santini, dentre tantos outros que poderiam ser mencionados.
Conclusão
Não há razões jurídicas para confundir ou identificar carência com cobertura parcial temporária. É incorreto dizer que o plano de saúde não pode estabelecer outro prazo para os casos de urgência ou emergência, senão o de 24 horas, embora seja correto dizer que não pode haver prazo de carência superior a 24 horas para os casos de urgência e emergência. Prazo de carência, bem entendido.
Nesse sentido, correta a Súmula 597 do STJ, segundo a qual, "A cláusula contratual de plano de saúde que prevê carência para utilização dos serviços de assistência médica nas situações de emergência ou de urgência é considerada abusiva se ultrapassado o prazo máximo de 24 horas, contado da data da contratação", pois trata de carência.
Mas além do prazo de carência há o prazo de cobertura parcial temporária, ao qual se submetem os beneficiários portadores de doenças e lesões preexistentes à contratação do plano de saúde, mesmo que tais doenças agudizem e levem a um quadro de urgência e emergência, com necessidade de leitos de alta tecnologia, procedimentos de alta complexidade ou procedimentos cirúrgicos exclusivamente relacionados às DLP, pois é para evitar a cobertura desses tratamentos que existe a previsão do artigo 11, da Lei 9.656/98, cobertura parcial temporária.
É o que me parece.
Marlo Russo
[1] Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: (...).

Marlo Russo
Advogado desde 1991. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca, colação de grau em 1991. Mestre em Direito Privado e Especialista em Direito Processual Civil. Atua na área de Planos de Saúde e Defesa Profissional de Médicos e Profissionais da Saúde.
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