RESUMO
O presente trabalho visa demonstrar a importância da análise do bullying praticado por adolescentes diante das leis brasileiras, dando a sua devida importância como um ato violento que tem características próprias, e que causa sequelas e gera consequências futuras ao indivíduo. Busca-se também, observar o papel do adolescente diante desta prática, saber qual a responsabilidade que existe no caso e de quem é, se o bullying é passível de indenização e qual a participação do Estado e da sociedade. Além de se analisar como a repercussão dessa violência praticada por menores é vista no Direito brasileiro atual, inclusive diante da Lei nº 13.185, de 6 de novembro de 2015 que entrou em vigor em 2016.Tem o intuito de chamar a atenção para a necessidade de jurisprudência consolidada e de lei específica sobre o bullying na seara penal, além de repercutir o problema na sociedade. Desse modo, é um estudo com olhar jurídico, mas voltado para todos os campos do saber, visando contribuir para que se seja dada a devida atenção e aprimoramento sobre a temática.
PALAVRAS- CHAVE: Bullying. Lei nº 13.185. Adolescente. Direito brasileiro.
ABSTRACT
This work aims to demonstrate the importance of the analysis of the bullying practiced by adolescents according to Brazilian laws giving its due importance as a violent act which has its own characteristics, causes sequelae and generates future consequences to the individual. It also search observe the role of the adolescent in front of this practice, to know the responsibility that exists in the case and who is responsible, if the bullying is liable for indemnification, and what is the participation of the state and society. Besides analyzing how the repercussions of that youth violence is seen in the current Brazilian law, including before the Law nº 13.185 of November 6, 2015 which came take effect in 2016. It aims to call attention to the need to consolidated case law and specific law on bullying in criminal field as well as pass on the problem in society. Thus, it is a study of legal look, more focused on all fields of knowledge, contributing to be given due attention and improvement about the thematic.
KEY WORDS: Bullying. Law nº 13.185. Adolescent. Brazilian law.
1 NOÇOES GERAIS
1.1 Definição de Bullying
“Bullying” é uma palavra de origem inglesa, não tendo uma definição certa no Brasil. Contudo, pode-se entender de “bully” o indivíduo valentão, “já a expressão bullying corresponde a um conjunto de atitudes de violência física e/ou psicológica, de caráter intencional e repetitivo, praticado por um bully (agressor) contra uma ou mais vítimas que se encontram impossibilitadas de se defender.” (SILVA,2010,p.21).
De certo modo, é um conceito amplo, porque não há um grupo específico para ser atingido. Pode afetar crianças, principalmente em relação ao meio escolar, como também adultos, em meio acadêmico ou social. Sendo que, os personagens principais são basicamente três: vítima, agressor e espectadores.
Pode-se dizer que as principais características, de acordo com leis e doutrina são: é uma forma de violência, se dá por ações reiteradas (não basta que tenha ocorrido uma única vez), lapso temporal (em vista de envolver ações reiteradas, há entendimentos da doutrina que diante de um determinado tempo, em um ano, pelo menos, as condutas devem ter ocorrido, ao menos duas vezes a ponto de afetar a vítima), tem caráter intencional (há a intenção do bully de afetar a sua vítima), ausência de um motivo prévio (não necessariamente houve uma briga ou conflito que desse ensejo aos ataques de bullying, não precisa de um “porquê” inicial), há desequilíbrio de poder (há uma fragilidade do vitimado, ele tem maior dificuldade para defender-se).
Envolve diversos tipos de ações ou formas, já que os atos de violência podem ser verbais, físicos e materiais, psicológico e moral, sexual e virtual. Varia em, por exemplo, chamar o outro de “gordinho” de modo pejorativo, a um espancamento ou um “caçoar” o colega, isolá-lo, sendo que todas as atitudes sobre a vítima devem ser de modo repetitivo. Mas, a doutrina majoritária entente que para se configurar “bullying” não basta a simples ação com teor agressivo sobre a vítima, a mesma deve se sentir afetada com isso, é algo interno e como tal difícil de avaliar, irá depender do ato, da idade da vítima, bem como da sua afetação, porque muitos são os sintomas psicossomáticos.
Logo, não se trata de uma brincadeira, é algo sério e que gera consequências concretas para o indivíduo internamente como podem levar a atitudes externas. Uma vítima de bullying pode apresentar transtorno de pânico ou de ansiedade generalizada, fobia social ou escolar, depressão, anorexia e bulimia, transtorno de estresse pós-traumático e até mesmo chegar a casos extremos de esquizofrenia, suicídio e homicídio.
1.2 História do Bullying
Muitos são os casos na história de comportamentos agressivos, pessoas reprimindo outras, sejam por questões étnicas, raciais, econômicas ou de minorias, porém as denominações de violências e os crimes foram se estruturando com o tempo e a propriedade do “bullying” foi sendo estudada e ganhando características próprias. É um fenômeno antigo, mas seu estudo científico é relativamente recente, iniciado nos anos 70 na Suécia.
A individualização, bem como a atenção do estudo ao tema se deu frente aos casos e a mobilidade social, como ocorreu na Noruega. No final de 1982 “três crianças, com idade entre 10 e 14 anos, haviam se suicidado no norte na Noruega. As investigações do caso apontaram, como principal motivação da tragédia, as situações de maus-tratos a que tais jovens foram submetidos por seus colegas de escola.”(SILVA,2010,p.111).
Dan Olweus, pesquisador da Universidade de Berger, Noruega, foi o pioneiro quanto à análise e estudo da proporção do bullying. Em seu estudo, foi constado “que um em cada sete alunos encontrava-se envolvido em casos de bullying, tanto no papel de vítima como de agressor.”(SILVA,2010,p.112). Isso acabou por gerar uma mobilização social influindo em uma campanha nacional antibullying.
Essa conscientização foi sendo propagada entre os países. Daí o termo “bullying” ter outras denominações, como por exemplo, “mobbing” (na Noruega e Dinamarca), “mobbining” (na Suécia e Finlândia), “maus-tratos entre pares” (em Portugal) e “acoso y amebaza” (na Espanha). Bem como a criação do site www.bullying.org (criação de Bill Belsey) e de outros sites que informam sobre a proposta.
A rede INSAFE, que congrega organizações de vários países que se dedicam a promover o uso responsável do computador e do celular, lançou, em 2007, o Dia da Internet Segura (“Safe Internet Day”) a ser celebrado anualmente para ampliar a conscientização de crianças e adolescentes sobre o uso da rede.(MALDONATO,2011,p.46).
Contudo, apesar do aprimoramento e difusão dos estudos da temática, a mesma ainda é desconhecida por muitas pessoas ou não recebe a devida importância dos órgãos sociais e governamentais. Faltam políticas públicas, leis específicas e a própria mudança da mentalidade global para o fato de que bullying é um ato violento e que deve ser reprimido.
1.2.2 História do Bullying no Brasil
No Brasil, o entendimento sobre a matéria ainda está em desenvolvimento:
A Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (Abrapia) se dedica a estudar, pesquisar e divulgar o fenômeno bullying desde 2001. No período compreendido entre novembro e dezembro de 2002 e março de 2003, a Abrapia realizou uma pesquisa, por meio de questionários distribuídos a alunos de 5ª a 8ª série de 11 escolas (nove públicas e duas particulares), no estado do Rio de Janeiro.(SILVA, 2010,p.113).
Dessa pesquisa, foi constatado que quase a metade dos analisados (40,5%) já se envolveu com a prática de bullying, sejam como agressores ou vítimas. Tanto meninas como meninos são praticantes ativos nas condutas e, nesse meio escolar, é considerada uma diversão entre os colegas, e independentemente de ser escola pública ou privada, diversas agressões ocorrem dentro mesmo da sala de aula.
Grande avanço foi a criação do Disque 100, que é o Disque Denúncia Nacional de Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes. Foi criado pela Abrapia e é executado desde 2003 pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, segundo entendimento da especialista Cleo Fantane (entre 2011 e 2014 ,p.1), ex presidente do Centro Multidisciplinar de Estudos e Orientação sobre o Bullying Escolar (Cemebes).
Já no ano de 2009, foi realizada pela Plan Brasil, que é uma organização não governamental humanitária, a “pesquisa “Bullying no Ambiente Escolar” para constatar sua incidência nas escolas brasileiras e o resultado foi alarmante, cerca de 70% dos estudantes afirmaram já ter presenciado agressões contra colegas e 30% fizeram parte das agressões. ”(STEFANO, 2009, p.3). As vítimas, em sua maioria estão na faixa de 11 e 15 anos, e os meninos são vistos mais como vítimas e agressores do que as meninas.
Já em 2012, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) em análise frente à jovens de 13 a 15 anos em diversas instituições públicas e privadas, de zona rural ou urbana, os resultados foram:
a prevalência de bullying identificada no estudo foi de 7,2%, sendo mais frequente no sexo masculino, em alunos mais jovens, de cor preta e indígena, e com mães sem nenhuma escolaridade. Dentre as causas/motivos do bullying, 51,2% não souberam especificar, e a segunda maior frequência de vitimização foi relacionada à aparência do corpo (18,6%), seguida da aparência do rosto (16,2%), raça/cor (6,8%), orientação sexual (2,9%), religião (2,5%) e região de origem (1,7%).(OLIVEIRA et all, 2015,p.1).
Frente aos dados de 2009 para os de 2012, observa-se um aumento da prática e a prevalência entre o sexo masculino como vítima e agressores. Trás a tona, todavia, que os homens são mais vitimados em virtude da cor e orientação sexual, já a questão da aparência do corpo e rosto, há uma relação de vitimados comuns quanto ao sexo da vítima.
2 A LEI BRASILEIRA E O BULLYING
A lei é um instrumento do Estado para regular as condutas sociais. No Brasil, já há iniciativas estaduais com o intuito de se combater está prática e recentemente foi sancionada a Lei que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (bullying) em todo o território nacional (Lei nº 13.185, de 6 de novembro de 2015 que entrou em vigor em 2016).
Em 2009, o Estado de Santa Catarina aprovou a Lei nº 14.651/09 que propõe instituir o Programa de Combate ao Bullying. Conceitua, inclusive, o termo em seu art. 1º, §único:
Entende-se por bullying atitudes agressivas, intencionais e repetitivas, adotadas por um indivíduo (bully) ou grupo de indivíduos contra outro (s), sem motivação evidente, causando dor, angústia e sofrimento e, executadas em uma relação desigual de poder, o que possibilita a vitimização. (BRASIL,2009).
Essa é uma lei voltada ao combate de tal prática na unidade escolar, entre jovens. Todavia, tal ato não pode ser entendido apenas frente a jovens e nem somente no meio escolar, por isso talvez a conceituação geral do ato de bullying em tal norma.
No contexto e para os fins desta Lei, considera-se intimidação sistemática (bullying) todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas. (BRASIL, 2015).
A Lei que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática busca conceituar o que seja bullying, bem como caracterizar a prática, como a mesma ocorre e pode ser classificada. Tem o intuito de prevenir o bullying, buscando capacitar educadores e equipes pedagógicas, conscientizar a população e a ajudar as vítimas e aos agressores. Mas, não define de quem seja a responsabilidade da prática e nem fala sobre indenização, devendo tal solução ser buscada em outras normas. Também não dispõe sobre a posição penal diante da matéria, o que não é benéfico para a sociedade e acaba se refletindo em dados como o da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que elencou em 2019 uma alta entre membros da educação que testemunharam situações de intimidação ou bullying entre alunos, isto é, mesmo com a implantação da lei federal casos desse tipo de violência se mantiveram e pouco são solucionados.
2.1 A Constituição Federal e o Bullying
A Constituição Federal Brasileira, sem dúvidas, reprime a prática de bullying, pode-se entender isso pelo seu texto, que defende e estabelece direitos e obrigações ao cidadão. O seu artigo 1º, inc.III, diz que:
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III- a dignidade da pessoa humana; (BRASIL,1988).
A Carta Magna trás o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento da nação, uma característica fundamental da sociedade. A dignidade é algo inerente ao homem, uma “qualidade intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, (...) qualidade integrante e irrenunciável da própria condição humana”(SARLET,2012,p.52). Logo, não importa se o indivíduo é criança, idoso ou adulto, basta que seja humano para possuir a dignidade e está deve ser respeitada e protegida, de modo a se evitar eventuais violações.
Em vista disso que, o exercício do direito individual não é algo absoluto. A dignidade da pessoa humana acaba por reprimir diversas condutas de modo a que a liberdade de um indivíduo não interfira na dignidade do outro. Isso é o que garante o bem viver e a harmonia social.
A CF/88 diz ainda em seu art. 3º, inc.IV: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV- promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” (BRASIL, 1988). Esse artigo dá ênfase a proteção da dignidade da pessoa humana, em que para uma vida digna, deve haver também o respeito a sua estrutura e condição como ser entre os demais.
Para tornar eficaz essa qualidade intrínseca ao homem, o Estado tem a obrigação de preservar o indivíduo, criando medidas para consolidar o princípio, além de fiscalizar os atos na prática. Todavia, principalmente por ser um fundamento constitucional, a base da nação, a sociedade também deve estar integrada a esse direito, buscando que o mesmo seja garantido e conservado. Espera-se, assim, que frente a uma violação de direitos humanos, como ocorre nos casos de bullying, que haja uma proteção pública e uma intervenção social.
No mesmo raciocínio aduz o art. 227, da CF/88 que diz:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL,1998).
Dá-se ênfase nesse artigo, a necessidade da participação de três pilares: a família, a sociedade e o Estado. Esses são a base da garantia e do bom desenvolvimento dos direitos protetivos ao indivíduo. O homem não está sozinho no meio social, deve respeitar o outro, sem violar direito alheio. O indivíduo não é mercadoria, não é coisa, é um integrante do meio social, diante disso Sarlet narra:
A dignidade da pessoa humana, compreendida como vedação da instrumentalização humana, em princípio proíbe a completa e egoística disponibilização do outro, no sentido de que se está a utilizar outra pessoa apenas como meio para alcançar determinada finalidade, de tal sorte que o critério decisivo para a identificação de uma violação da dignidade passa a ser (pelo menos em muitas situações, convém acrescer) o objetivo da conduta, isto é, a intenção de instrumentalizar (coisificar) o outro. (SARLET,2012,p.63).
Logo, se um indivíduo tem o intuito de diminuir o outro, torná-lo como piada frente aos demais. Excluí-lo socialmente, perturbar ou intimidar, fazem ameaças ou comentários maldosos, isso não deve ser visto como brincadeira, algo comum de adolescente ou até mesmo costume social, mas sim como atos que devem ser reprimidos. O ser humano não pode ser “coisificado”, não pode ser diminuído e tampouco afetado para divertimento ou ter sentimento de superioridade sobre o outro.
O art. 5º, caput da CF/88 diz que: “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”. (BRASIL, 1998).
Esse artigo acaba por dar ênfase ao princípio da dignidade da pessoa humana, elencando outros princípios, como o da igualdade, e garantias, como a segurança. O princípio da igualdade garante que apesar das diferenças, sejam elas físicas ou econômicas, o ser humano deve ser visto e tratado de maneira isonômica,
“significa que todos merecem as mesmas oportunidades, sendo defeso qualquer tipo de privilégio e perseguição. O princípio em tela interdita tratamento desigual às pessoas iguais e tratamento igual às pessoas desiguais.”(JÚNIOR, Dirley, 2012, p.696).
Quanto à segurança, é papel do Estado e da sociedade garantir e preservar a integridade do outro. Esse princípio se volta tanto à proteção do Estado para com os seus cidadãos, bem como a questão jurídica.
Segundo Couto e Silva (2005) a segurança jurídica apresenta duas dimensões: uma objetiva e outra subjetiva. A primeira está voltada à proteção que o Estado deve conceder aos cidadãos, principalmente no que toca mudanças na política estatal que possam prejudicar ou fragilizar seu direito à estabilidade e à previsibilidade, ou, em outras palavras, à segurança jurídica em sua concepção político-institucional.
A segunda dimensão apresentada por Coutinho e Silva (2005) é a subjetiva, que está relacionada à proteção dos indivíduos aos seus pares, e se refere à proteção da confiança depositada nos negócios jurídicos, como, por exemplo, os contratos, que não podem ser alterados de modo a afetar o patrimônio jurídico de uma das partes. Logo, em sua vertente subjetiva, o princípio da segurança jurídica assegura que as relações entre particulares sob determinada regulamentação não serão afetados por outra que advenha, resguardando um direito à estabilidade conferida aos cidadãos.(SILVA, 2005 apud THAUMATURGO; LIMA; SABINO, 201-, p.2).
Frente ao bullying, a segurança guarda relação, por exemplo, quanto ao se preservar o físico do indivíduo, bem como a sua vida privada e a intimidade. Trata-se da segurança pessoal, pública, conforme a lei. A Constituição Federalainda trata da temática em seu art. 144, que expressamente preceitua que a segurança pública é dever do Estado. Sendo assim, é perfeitamente viável em caso de praticas de bullying que o lesado em busca de proteção, recorra à justiça para resguardar seus direitos.
Todavia, nem sempre há a procura pela justiça. Muitos são os casos em que o jovem vitimado pela violência do bullying se exclui socialmente, e com receio de continuarem sendo perseguidos, optam por deixar de frequentar a escola. Questões assim demonstram duas falhas, que seria a do Estado, bem como dos educadores em não estando preparados para essa realidade, não conseguem coibi-la ou lidar com a mesma.
A consequência dessa falta de amparo gera as “repetências por faltas, problemas de aprendizagem e/ou evasão escolar.”(SILVA,2010,p.26). A desistência precoce da escola é uma quebra na expectativa futura, não é benéfico para a vítima e nem para a sociedade, porque é com a base escolar que o indivíduo está mais apto para o mercado de trabalho. Mas, vai, além disso, é para
inclusão daqueles que estão fora do processo produtivo do sistema social, ou seja, qualquer grupo de pessoas marginalizadas, como desempregados e pessoas que não tem acesso a saúde, lazer e outros componentes da cidadania. A educação deve ser um dos principais meios para a realização do que chamamos de inclusão social, que é a inserção dos indivíduos marginalizados no contexto social. (FORMICE, 2013, p.1)
É preceito básico da CF/88 a educação, prevista em vários artigos, como nos arts. 6º e 205. O art. 6º preceitua: “São direitos sociais a educação (...)” (BRASIL, 1988). Já o art. 205:
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL,1988).
Todavia, o Brasil ainda hoje enfrenta o problema de crianças fora da escola, bem como da evasão escolar. Segundo o 11º relatório da Unesco de abril de 2015, o Brasil atingiu apenas duas das seis metas de educação para o período de 2000 a 2015, atingiu a universalização do “acesso à educação primária (1ª ao 5 ano do ensino fundamental) e atingiu a meta da igualdade de gênero, levando meninos e meninas às aulas em grande proporção.”(GUILHERME, 2015, p.1). Mas, ainda faltam as metas da primeira infância, jovens e adultos, analfabetismo e educação de qualidade.
Com o incentivo das Leis voltadas para a educação e investimentos no setor, houve mudanças positivas para a educação, mas a mesma ainda necessita de melhorias. Além de se buscar uma educação de qualidade, deve-se prezar pelo controle da evasão escolar, está que é uma das consequências do bullying. O Brasil, segundo o Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) de 2012, possuía a terceira maior taxa de abandono escolar entre os 100 países com maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), já em “levantamento feito pela plataforma QEdu a pedido da Exame.com identificou que 1,3 milhão de crianças e adolescentes do Brasil deixaram as escolas durante o ano letivo de 2013.”(SCABBIA,2015,p.1).
A realidade do grande número de evasão escolar, até hoje, não sofreu grandes modificações. Isso acaba por trazer, entre alguns problemas, o desgaste da economia que tem que arcar com o ensino público. E, diante dos estudos realizados, uma solução para a busca pela educação de qualidade bem como da redução da evasão escolar, é tornar o ambiente de ensino mais motivador para o jovem.
A escola, juntamente com o seu educador devem estar preparados para prevenir o bullying e seus efeitos, o que também guarda relação com preparar o jovem para o controle emocional. Visto que, o sistema de ensino não tem apenas a função técnica de ensinar o que está nos livros, mas sim o dever de preparar o aluno para as relações em sociedade.
A Constituição Federal ainda trata de outras temáticas que guardam relação frente ao bullying, como se dá no art. 5º, inc.III, que diz: “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;”(BRASIL,1988). Isso é o que acaba por ocorrer nas práticas de bullying, em que a vítima fica exposta a uma violência psicológica e/ou física podendo chegar a afetar a forma como se vê e se integra na sociedade.
O art. 5º, inc. X, CF/88 já dispõe: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação;”(BRASIL, 1988).
A Constituição Federal abre a possibilidade nos casos elencados (violação a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas) de indenização. Indenização que nada mais é do que um acalentar o outro, em que se sabe que há o dano, ou seja, uma perda, um mal, um prejuízo na ordem que for (moral, patrimonial, estética) para o indivíduo. Esse quesito se enquadra em diversos casos de bullying, como por exemplo:
“APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÃO DE ENSINO. BULLYING DE ALUNO NAS DEPENDÊNCIAS DA ESCOLA RÉ, QUE NADA FEZ PARA IMPEDIR A PRÁTICA DE TAL VIOLÊNCIA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM REPARATÓRIO FIXADO EM DESACORDO COM O CRITÉRIO DA RAZOABILIDADE ANTE AO DANO SOFRIDO E AS CONDIÇÕES PESSOAIS DA VÍTIMA. VERBA REPARATÓRIA QUE MECERE SER MAJORADA PARA R$ 15.000,00. RECURSO DA PARTE AUTORA A QUE SE DÁ PROVIMENTO.”
(Apelação; Processo Nº 0008139-94.2009.8.19.0203; 1ª Ementa; Órgão Julgador: Decima Terceira Câmara Cível; Relator: Des. Fernando Fernandy Fernandes; Julgamento: 23/10/2012, grifo nosso).
A coerência no entendimento guarda relação no próprio fato da sociedade já entender que a prática de bullying não é algo inofensivo. Uma foto com teor maldoso sobre uma pessoa na internet, por exemplo, pode acabar com a sua reputação no meio social, seja afetivo ou de trabalho. Um comentário pejorativo pode causar danos irreparáveis na cabeça de um indivíduo, a ponto do mesmo se sentir inseguro diante do mundo que o cerca. Isso são danos reais, casos reais de abuso aos direitos do indivíduo, seja quanto a sua imagem social ou ao que ele entende de si ou está formando sobre si. Todavia, ainda não há uma jurisprudência consolidada sobre o tema, mas tão somente entendimentos dispersos.
Quanto ao bullying praticado em sistemas de ensino, a Constituição prevê:
“Art. 205.A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”(BRASIL, 1988).
O legislador deixa claro neste artigo que a educação é pilar fundamental para o indivíduo bem como o desenvolvimento da sociedade. Assim, não é só existirem as escolas, mas que haja uma estrutura adequada para o ensino e uma frequência contínua dos alunos.
Apesar de já haver propostas quanto à inclusão no Código Penal do crime de intimidação vexatória (ou bullying), como exemplo o projeto de Lei PLC -6935/2010 e a aprovação na Câmara dos Deputados do Projeto de Lei 1.011/11 (busca tratar o bullying nos crimes contra a honra no CP). E, de existir uma lei que individualiza a matéria, Lei nº 13. 185/2015, ainda não há nenhum artigo específico sobre o tema com teor criminal. Entretanto, não se pode haver a impunidade diante das ações, o que leva essa violência a ser confundida e tratada na prática em alguns artigos do CP.
Fazendo-se análise do bullying ao crime de lesão corporal (art. 129,CP), nota-se que pode haver o uso desse artigo a casos de bullying. Todavia, a modalidade de lesão corporal admite hipóteses de dolo e culpa, enquanto que no bullying só é possível se falar em dolo. E, no bullying faz-se necessário que os atos violentos sejam repetitivos e sem a necessidade de motivo prévio. Assim, se João está irritado com algo que Pedro lhe fez, e o defere tapas, causando-o lesões, não há de se falar em bullying. Mas, se João bate em Pedro, em diversas ocasiões, propala palavras que o magoam, cria um apelido, por exemplo, então há de se falar em bullying.
Faz-se também, muita comparação do bullying com os crimes contra a honra. Os crimes contra a honra estão estabelecidos nos artigos 138 a 145, do Código Penal, são basicamente: calúnia (art. 138,CP); difamação (art. 139,CP) e injúria (art. 140,CP).
Caluniar é imputar a alguém, falsamente, um fato definido como crime. E, difamar é imputar um fato ofensivo à reputação do indivíduo, podendo inclusive atribuir falsamente uma contravenção penal, é o se manchar atributos que tornam a pessoa merecedora de respeito no seio social, independente de serem falsos ou verdadeiros.
Calúnia e difamação envolvem a honra objetiva:
é a visão que a sociedade tem acerca das qualidades físicas, morais e intelectuais de determinada pessoa. É a reputação de cada indivíduo no seio social em que está imerso. Trata-se, em suma, do julgamento que as pessoas fazem de alguém. (MASSON,2015, p.197).
Assim, a consumação só irá ocorrer quando uma terceira pessoa tomar conhecimento do teor negativo a vítima.
Fazendo-se uma análise comparativa entre o bullying e os dois tipos penais elencados, pode-se dizer que o bullying também envolve a honra objetiva. Contudo, não apenas a honra objetiva, a intimidação vexatória também atinge a honra subjetiva, sendo que essa é em proporção maior. Honra subjetiva
é o sentimento que cada pessoa possui acerca das suas próprias qualidades físicas, morais e intelectuais. É o juízo que cada um faz de si mesmo (autoestima). Subdivide-se em honra-dignidade e honra-decoro.
Honra dignidade é o conjunto de qualidades morais do indivíduo, enquanto honra-decoro é o conjunto de qualidades físicas e intelectuais. (MASSON,2015, p.197-198).
Logo, para se consumar não se faz necessário que a ofensa tenha chegado a terceiros, mas sim que o fato chegue a conhecimento da vítima.
O bullying, afeta mais o psicológico do indivíduo e assim mais a honra subjetiva. Pode atuar na questão de como o indivíduo é visto no meio social, mas tem maior relação com as questões pessoais, sejam físicas ou internas, o como a vítima se sente diante das ofensas, do julgamento, reprimindo a sua dignidade. Seria, por exemplo, um apelido vexatório, uma pessoa ser motivo de piadas porque usa algo ou tem alguma característica diferente dos demais ou ainda algo pessoal e íntimo do indivíduo sendo colocados a tona e espalhado entre os colegas.
Não há que se confundir com calúnia, porque não se trata de imputar um fato definido como crime, mas sim o “caçoar” outrem, “zoar”. Assim, se, por exemplo, João diz para terceiros que Pedro roubou seu celular, e passa a chamar Pedro de ladrão, a fazer piadas relacionadas reiteradas vezes, diminuindo Pedro entre colegas, e o mesmo tomando conhecimento se sente mal com isso, há a situação de calúnia e de bullying.
Tampouco pode se dizer que bullying é o mesmo que difamação. Difamar é propalar característica negativa junto com um fato determinado. E, no bullying o objetivo específico não necessariamente é prejudicar a honra quanto à reputação da vítima. O agressor faz as ofensas sem um motivo, ele mantem o grau de poder, superioridade frente ao ofendido, o desejo é por ofender e diminuir a sua vítima, não importando em regra se a reputação dela será abalada. Não há também a necessidade de fato determinado, a ofensa é reiterada e de diversas formas.
Apesar da injúria se aproximar mais do bullying, não podem ser confundidas. A injúria é uma ofensa à dignidade e o decoro, atingindo a honra subjetiva. Já o bullying, é uma violência que, sem dúvidas, ofende a dignidade do indivíduo e atinge a honra subjetiva. Mas, se difere da injúria, porque no bullying há a necessidade de atos repetitivos que podem ser realizados por uma pessoa ou um grupo de pessoas, contra um indivíduo relativamente em situações de fragilidade. Na injúria, o crime é instantâneo, “basta a atribuição de qualidade negativa, prescindindo-se da imputação de fato determinado.”(MASSON, 2015,p.214).
Quanto ao constrangimento ilegal, há possibilidade de se aplicar o tema ao bullying. Constrangimento ilegal está previsto no art. 146, do Código Penal: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:”(BRASIL, 1940).
No bullying o indivíduo vitimado poderá ser constrangido a fazer alguma atitude mediante ameaça para o divertimento ou proveito do seu agressor. Mas, isso não é a regra nessa prática, é apenas uma das possibilidades de ações dolorosas que a vítima poderá sofrer, não podendo ser o artigo 147 do Código Penal tomado como solução chave para a prática do bullying.
Outro artigo do CP que pode ser usado para a situação de bullying, é o art. 163. O referido texto legal poderá ser aplicado apenas na hipótese de dano a um bem da vítima e a situação poderá ser qualificada, todavia abrange apenas essa hipótese de bullying, enquanto há inúmeras outras.
Diante do já mencionado, pode-se dizer que há possibilidades de aplicabilidade do CP para o bullying , mas tão somente nas situações específicas de lesão corporal (a depender do caso), constrangimento ilegal e dano, não abrangendo outros casos. Além disso, não há previsão expressa no Código Penal quanto ao bullying. E, apesar de já existir Lei Federal sobre a temática, Lei Nº 13.185/2015 que entrará em vigor em 2016, a mesma não trás punições e nem trata da responsabilidade penal ou civil do assunto. No art. 4º, inc.VIII, inclusive preceitua que:
Art. 4º.Constituem objetivos do Programa referido no caput do art. 1º:
VIII- evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores, privilegiando mecanismos e instrumentos alternativos que promovam a efetiva responsabilização e a mudança de comportamento hostil; (BRASIL,2015).
A legislação é um grande avanço quanto à temática. Mas, ao mesmo tempo, trata ainda os atos de violência do bullying como algo sem grande gravidade e atenção do Estado.
Diante da punição para o adolescente agressor, o CP é claro em dizer que o menor de 18 anos é penalmente inimputável, conforme se entende do art. 27do CP e da própria CF em seu art. 228. Recaindo a questão para dispositivo especial, que será o ECA (trabalhado no tópico “3.4 O ECA e o Bullying”) por não haver lei especial quanto a prática criminal do bullying.
E, se o agressor for semi-imputável, aquele que tem doenças mentais, mas possui consciência dos seus atos, a pena será reduzida (art. 26,§único do CP).
O Código Civil em seu art. 1º determina que: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”(BRASIL, 2002). O indivíduo ao nascer com vida já é tido como capaz de adquirir direitos, logo todas as pessoas possuem a capacidade de direito. Mas, nem todas possuem a capacidade de fato ou de exercício, de ação, que é segundo o entendimento de Carlos Roberto Gonçalves “a aptidão para exercer, por si só, os atos da vida civil”(2015,p.96).
Sendo assim, frente ao bullying em que a vitima é amental, para que se sejam propostas ações, deverá haver a representação dos pais ou curadores, respectivamente. Quanto aos amentais, a questão da violência torna-se mais difícil de ser caracterizada, já que, de certo modo, por mais que os atos sejam repetitivos, que se tenha o intuito de causar dano à vítima, esta não necessariamente sente seu psicológico abalado.
Todavia, cabe à família ou quem representa o mesmo, proteger a sua integridade e os seus direitos. A atenção deve ser redobrada de quem tem a obrigação principal frente à amentais ou pessoas com a capacidade reduzida, mas cabe também à sociedade se manifestar frente a ofensas e aos maus tratos que o indivíduo sem a consciência estiver sofrendo. E, mesmo que as consequências notórias não sejam visualizadas em indivíduos nestas situações, ainda há a prática de ato ilícito que não deve ser impune, conforme se pode entender pelo art. 186 do Código Civil: “aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (BRASIL, 2002, p.167).
Em tese, não há de se falar que o agressor seja um indivíduo amental, já que para que se seja considerado o bullying, deve haver relação desigual de poder, em que o valentão é aquele que detêm o poder.
Já, diante do art. 2º do CC/02 observa-se: “A personalidade da pessoa começa do nascimento com vida; (...)” (BRASIL, 2002, p.153). A personalidade, bem como a capacidade do indivíduo, surge com o nascer com vida, por isso não importa a idade do indivíduo vitimado, ele continua a ter personalidade e, por conseguinte ser detentor de direitos.
Quanto à responsabilidade do menor praticante de bullying irá recair no art. 932 do Código Civil, que trata de responsabilidade indireta, solidária, objetiva e extracontratual:
art. 932.São também responsáveis pela reparação civil:
I-os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
II-o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;” (BRASIL,2002, p.208).
Será indireta, porque, em regra, os pais são os responsáveis principais pelo ato dos seus filhos menores e para isso não há de se falar em contrato, é extracontratual. O CC/02 preceitua em seu art. 1.630: “Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.” (BRASIL, 2002, p.263), já o art. 1.634 do mesmo dispositivo legal, diz:
Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I - dirigir-lhes a criação e educação; (...) VII – representa-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; IX- exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. (BRASIL, 2002,p.264).
É solidária, com base no art. 942, parágrafo único do CC/02. Logo, todos os sujeitos que estão estabelecidos no rol do art. 932, CC/02 também poderão responder pelos atos do menor.
E, a responsabilidade será objetiva, aquela que se baseia na Teoria do Risco. Se fazendo necessário, três elementos para estar configurada: conduta voluntária, dano e nexo de causalidade. Frente ao bullying praticado por adolescentes, haverá a conduta voluntária quando, sem coação o jovem pratica atos ou deixa de fazer algo com o intuito de denegrir a imagem ou se sentir superior a outrem, ou afetar um indivíduo. Já o nexo de causalidade está na conduta ter sido praticada e recebida pela vítima, é o ato em si. E, o dano, é o que o ato violento gera.
Não há de se falar em culpa, conforme entendimento legal do art. 933 do CC/02. Assim, haverá a responsabilidade independentemente de culpa do responsável ou do menor que praticou a conduta. E, presente os requisitos da responsabilidade, há a possibilidade de indenização, conforme o próprio art. 927 do Código Civil que diz:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187) causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos específicos em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (BRASIL, 2002,p.208).
Assim, se houver uma ação que gera violação, um dano à vítima, a mesma deve ser compensada e o meio passível para isso é com a indenização. Esse, todavia, não é um entendimento uniforme na jurisprudência, mesmo com diversos casos se destacando, um exemplo foi a da Justiça de Minas Gerais que “determinou que o Colégio Cavalieri, em Belo Horizonte, pague uma indenização por danos morais de R$10 mil a um ex-aluno, vítima de bullying na escola.” (CHEREM,2013,p.1).
Quanto ao tema, deve-se observar também o art. 928, CC/02: “O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.”(BRASIL, 2002, p.208). Refere-se o artigo, ao incapaz que pode se prover ou for emancipado, diante desse texto legal, o Enunciado nº 39 da Jornada de Direito Civil de setembro de 2002 preceitua:
A impossibilidade de privação do necessário à pessoa, prevista no art. 928, traduz um dever de indenização equitativa, informado pelo princípio constitucional da proteção à dignidade da pessoa humana. Como consequência, também os pais, tutores e curadores serão beneficiados pelo limite humanitário do dever de indenizar, de modo que a passagem ao patrimônio do incapaz se dará não quando esgotados todos os recursos do responsável, mas quando reduzidos estes ao montante necessário à manutenção de sua dignidade. (BRASIL, 2002, p.2168).
Ademais, quanto à responsabilidade, uma vitima de bullying pode sofrer danos morais, patrimoniais e estéticos. O dano moral se dá quando o objeto que sofreu a lesão é a dignidade da pessoa humana, afetando-se, por exemplo, a integridade física, psíquica, social, a liberdade de um ser humano e todos os direitos da personalidade do indivíduo. Já o dano patrimonial se dá quando o objeto material pelo qual recaiu o dano é economicamente mensurado, envolve assim, a exemplo, uma atitude do agressor que atinge algum bem da vítima, o rouba ou o destrói, ou o fato da vítima, pelas ofensas verbais ou demais condutas do autor, ter gastos com médico, psicólogo, remédios.
Quanto ao dano estético, é aquele que se dá quando a vítima sofre uma conduta que altera a sua forma estética original, podendo trazer a mesma sequelas físicas. Seria a situação de, por exemplo, o agressor cortar os cabelos da vítima, espanca-la, provocar lesões em sua face ou corpo, ou ainda arremessar objetos contra a vítima trazendo a mesma alguma lesão.
A depender do caso concreto, também é possível se falar da teoria da perda de uma chance. Teoria esta que tem a sua origem na França, e mesmo não tendo destaque no Código Civil, vem ganhando discussões na doutrina e jurisprudência brasileira. Nela, não existe o nexo de causalidade entre o ato ilícito e o resultado final, diferindo-se assim, dos demais tipos de danos, pois “o prejuízo, objeto da reparação, será representado pela própria chance, e não pelo resultado final esperado, (...) este é incerto” (COSTA,2012, p.7). O dano é a própria chance que deve ser séria, real e razoável.
Trazendo a questão da perda de uma chance para o bullying na seara escolar, pode-se colocar a chance como, por exemplo, por ter sofrido bullying o indivíduo que era bom aluno, se isola, para de estudar, de frequentar a escola, e com isso deixa de ser aprovado em curso ou perde o ano de ensino, não continua os estudos, a formação.
Até se criar o Estatuto propriamente dito, as crianças, de modo geral, mesmo com a atenção dos códigos citados, eram vistas a margem da sociedade. Eram indivíduos que não precisavam de tanto cuidado, contudo essa ideia foi se modificando. A criação do Estatuto teve
por objetivo a proteção integral da criança e do adolescente, de tal forma que cada brasileiro que nasce possa ter assegurado seu pleno desenvolvimento, desde as exigências físicas até o aprimoramento moral e religioso. (...). Sua aplicação significa o compromisso de que, quanto antes, não deverá haver mais no Brasil vidas ceifadas no seio materno, crianças sem afeto, abandonadas, desnutridas, perdidas pelas ruas, gravemente lesadas em sua saúde e educação.(ALMEIDA, 2010,p.20),
No art. 3º do ECA, observa-se a intenção do legislador de proteger e garantir os direitos fundamentais, previstos constitucionalmente, para as crianças e os adolescentes. Visualizando-se, com isso, que também são sujeitos de direitos. O artigo em questão diz:
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.(BRASIL, 1990,p.1025)
Condições essas que somente se fazem possível quando o ambiente escolar, familiar e social trouxerem o acolhimento, a proteção e a inclusão, respeitando-se as diferenças e os direitos do jovem. Daí também o entendimento do art. 18 e art. 70 do ECA que tratam da dignidade do menor e a preservação da sua estrutura, artigos que repudiam atos de violência contra o jovem.
Ademais, o art. 53,inc.I, do mesmo dispositivo em questão diz que:
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
I- igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;(BRASIL, 1990,p.1032-1033).
É notório, assim, que o jovem deve ter a sua permanência na escola e as estruturas mínimas devem ser dadas ao mesmo para que continue a estudar e garantir o futuro do país.
O ambiente escolar acaba por ser então, ferramenta crucial para o desenvolvimento do menor. Daí a importância dada pela Lei 13.185/2015 em diversos artigos quanto à estrutura escolar, como exemplo o art. 4º, inc.II da presente Lei: “Art. 4.Constituem objetivos do Programa referido no caput do art. 1º: II- capacitar docentes e equipes pedagógicas para a implementação das ações de discussão, prevenção, orientação e solução do problema;”(BRASIL, 2015).
Ademais, o art. 5º da Lei 13.185/2015 diz que: “É dever do estabelecimento de ensino, dos clubes e das agremiações recreativas assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática (bullying).”(BRASIL, 2015). Trás dessa forma, a responsabilidade da instituição de ensino para a situação, contudo, se ocorrer o dano, no caso do bullying, a questão deve ser comunicada ao Conselho Tutelar, conforme o art. 13, do ECA preceitua:
“Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais.”(BRASIL, 1990,p.1026).
A presente questão é reforçada no art. 56, inc.I do ECA que diz claramente: “Os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de: I- maus-tratos envolvendo seus alunos;”(BRASIL, 1990,p.1033). O presente artigo ainda envolve a situação de faltas injustificadas e de evasão escolar, demonstrando-se com isso que a escola deve ter maior cuidado com os seus alunos, preocupando-se com o que ocorre com o mesmo dentro da sala de aula e fora dela.
De certo modo, o que vem ocorrendo é a procura pelo Conselho Tutelar e eventualmente ao Ministério Público (MP) apenas quando a escola de fato não consegue solucionar o problema. Fato este, que em concordância com o art. 70do ECA, não seria algo condenável. O art. 70 preceitua: “É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente.”(BRASIL,1990,p.1034), logo se a escola ou o professor não procuram o Conselho Tutelar e o MP para relatar eventual abuso sofrido pelo menor, mas tentam reverter a situação, em tese não seria algo grave, contudo deve-se observar o quão grave é, porque se já ocorreu o fato, o se “prevenir” será apenas para que o ato não ocorra novamente ou sane todos os danos.
Mas, se o professor ou o responsável pelo estabelecimento escolar não se posicionam de modo a reverter a situação de violência ou não demonstram amparo ao menor, sem dúvidas recai no art. 245 do ECA. Esse artigo preceitua uma pena, para quando os sujeitos estabelecidos na letra dessa lei, inclusive ao sistema de ensino, não comunicam a autoridade competente a suspeita ou confirmação de maus-tratos contra o jovem.
Há, assim, uma posição de grande responsabilidade e cuidado frente ao menor. Por isso, os estabelecimentos de ensino estão se atualizando quanto à “violência mascarada” e se espera que esse aprimoramento aumente após a Lei 13.185/2015. Contudo, não se pode olvidar da responsabilidade do Estado, há necessidade de Leis eficazes para mitigar a prática de bullying, leis que tragam um teor mais detalhado e severo em relação à prática.
Dando-se assim, maior amparo ao texto legal do próprio ECA, que trás os direitos básicos do menor, mas que são violados no bullying. Os arts. 15 a 18 do presente estatuto tratam entre alguns quesitos, da dignidade, do direito a liberdade, da integridade física e psíquica, e da imagem. Questões que atuam diretamente ao dano moral, sendo plenamente possível a indenização frente ao bullying.
Todavia, apesar de existir a Lei nº 7.716/89 que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor e da Lei nº 9.455/97, que define os crimes de tortura e de se buscar, na prática, crimes penais (mesmo que atípicos tecnicamente para a conduta, ex.:crime de calúnia analisado em 3.2) para a solução de alguns atos visualizados na prática do bullying. Ainda não há que se falar em medida sócio educativa contra o menor para grande parte dos casos de bullying, por não haver lei criminal específica quanto à matéria. Bullying não é tipificado como crime.
Ato infracional é conforme o art. 103 do ECA, “ (...) a conduta descrita como crime ou contravenção penal”(BRASIL, 1990, p.1040), assim se faz necessária uma Lei com teor de crime ou de contravenção penal abrangendo melhor as situações que individualizam o bullying. Incidindo, dessa forma, a questão em maior número de casos em medidas sócio educativas, dando-se assim a devida severidade a problemática.
Uma das variações de bullying é o termo “mobbing” que é sinônimo de “assédio moral”, “bullying no trabalho” ou “terrorismo psicológico”. O mobbing também possui características parecidas com bullying, mas aquele é algo mais aprimorado na seara da área do trabalho.
Quanto a sua história, a expressão “bullying no local de trabalho” foi evidenciada apenas em 1988, pela jornalista britânica Andrea Adams. Mas as primeiras publicações científicas sobre o tema ocorreram somente em 1990 por Heinz Leymann, na Europa.
No mobbing há a pressão psicológica em uma relação de hierarquia, envolve um superior e um subalterno ou colegas de trabalho. Quanto às características:
TRT-1 – Recurso Ordinário RO 00001319720135010411 RJ (TRT-1) Ementa: ASSÉDIO MORAL – COMPROVAÇÃO – INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DEVIDA I – Caracteriza-se o assédio moral (também denominado de –mobbing”) pela conduta lesiva e culposa do empregador que abusa do poder diretivo, disciplinar ou fiscalizatório e cria um ambiente de trabalho hostil ao empregado, expondo-o a reiteradas situações de constrangimento e humilhação, que ofendem sua saúde mental e até mesmo física. (...) (Recurso Ordinário; Processo Nº 00001319720135010411 RJ (TRT-1) ; Órgão Julgador: Sétima Turma; Relator: Evandro Pereira Valadão Lopes; Publicação: 14/01/2015)
Os envolvidos são: alvo, agressor e testemunhas. Não se fala na relação de trabalho de uma vítima, mas sim de um alvo, porque esse é aquele que o agressor deseja prejudicar, alguém que não é frágil, contudo na mira agressiva pode deixar de ser seguro de si e do seu trabalho.
Os comentários depreciativos podem envolver questões “quanto à sexualidade, à raça, ao credo, ao modo de ser, de andar ou de falar de determinado funcionário” (SILVA,2010,p.147). Podem ser agressões diretas ou indiretas, verbais ou atos abusivos, como o desvio da função para cargos inferiores. Os atos são repetitivos e visam diminuir o empregado, desrespeitá-lo, podendo ser intencionais ou não.
Tanto agressores como alvos podem ser de ambos os gêneros. Todavia, estudos da pesquisa Workplace Bullying Institute (WBI) e a Zogby International de 2007 apontam como os homens sendo os principais agressores e as mulheres os alvos, notadamente diferindo-se do bullying ao tratar do critério da escolha de quem será agredido:
as mulheres elegem outras mulheres em 71% dos casos, escolhendo-as como Alvos com 2,5 vezes mais frequência do que escolhem homens, enquanto os agressores masculinos praticam seus abusos indiscriminadamente, mostrando uma pequena preferência por praticar o bullying contra outros homens.(NAMIE, 2013, p.24).
Ademais, o bullying está desvinculado da relação de trabalho. Pode haver a relação de hierarquia, seria, por exemplo, entre professor e aluno, como entre colegas de classe, mas não se restringe a isso. Pode ocorrer a situação de pessoas desconhecidas ridicularizarem outrem, não limitando o ambiente ou as partes que podem praticar as ações. Assim, pode ocorrer em um mesmo ambiente o bullying e o assédio moral, seria a situação do professor e outros membros da equipe escolar, dando-se assim exemplo para o mobbing, e nesse mesmo mundo de ensino, o professor provocando bullying em seu aluno.
Não há barreiras para a prática de violência psicológica que desestimula os alvos ou vítimas e isso é uma característica geral para a pratica do bullying. Contudo, quando os atos partem para o ambiente de trabalho, acaba tendo uma seriedade maior, porque não envolve só o alvo, mas a sua subsistência econômica e muitas vezes a de sua família.
E tal a severidade e necessidade de se proteger o empregado que a própria carta magna diz em seu art. 1º, inciso IV:“Art. 1º. A República Federativa do Brasil, (...) tem como fundamentos: IV- os valores sociais do trabalho (...);”(BRASIL, 1988).
Além do seu art. 7º que dá vários proteções e direitos aos empregados, como é o caso dos incisos XXXI, XXXII e XXXIV. Buscando-se a igualdade entre os funcionários.
Art. 483. O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;(BRASIL,1943, p.924).
Há, assim, chances claras de se reivindicar o assédio moral frente à justiça. Em virtude disso, espera-se um posicionamento mais forte da parte de quem sofre a pratica, distinguindo-se do bullying escolar, em que “a criança-Alvo deve receber a ajuda e o apoio de adultos imparciais para reverter o conflito. Já os adultos que sofrem o bullying têm como principal responsabilidade reparar a injustiça por si mesmos, de modo a arquitetar uma solução.”(NAMIE,2013, p.34).
Já ocorreram vários julgamentos sobre a matéria, alguns positivos, outros não quanto a resultar em indenização. Indenização tem o amparo legal na CC/02 em seus arts. 932,inc.III, 927 e 186 e no art. 5º, inc.X da CF/88. Um julgado sobre a matéria revela o posicionamento para que haja o reconhecimento do assédio moral:
TRT-2 – Recurso Ordinário (RO) 00022252720105020045 SP 00022252720105020045 A28 (TRT-2) Emenda: MOBBING. ASSÉDIO MORAL. Para o reconhecimento do assédio moral (mobbing) é necessário vislumbrar uma pressão desmedida e injustificada por parte do empregador, ou seus prepostos, nitidamente percebida pela vítima. Não comprovado nos autos que a reclamante foi vítima de tortura psicológica, consubstanciada no terror de ordem pessoal e moral praticada no âmbito de seu labor, não há como responsabilizar a reclamada pela moléstia psicológica de que padece a reclamante. Recurso da autora que se nega provimento. (Recurso Ordinário; Processo Nº 00022252720105020045 SP
00022252720105020045 A28 (TRT-2); Órgão Julgador: 12ª Turma; Relator: Benedito Balentini; Julgamento: 11/09/2014, grifo nosso)
Contudo, muitas vezes o funcionário não busca seus direitos frente à justiça ou tentando sanar o problema conversando com o seu superior não obtêm apoio, os levando a opção de sair do emprego ou até mesmo a um estado de impotência ocasionando severos danos emocionais, psicológicos, sociais e à saúde.
Por isso, a importância de se falar sobre a temática entre os funcionários e a busca do amparo psicológico dentro do trabalho. Soluções, que podem ajudar quem vivencia essa pratica e minimizar os estresses nesse ambiente.
3 PROTAGONISTA DO BULLYING: Perfil e consequências do ato
Tendo em vista que o bullying é uma forma de violência reiterada frente a um desequilíbrio de poder, pode-se dizer que são basicamente três os seus participantes: a vítima, o agressor e o espectador.
O desequilíbrio de poder, ora já citado, consiste em um individuo apresentar características de submissão, vulnerabilidade ou se posicionar dessa forma frente a outro. Assim, a vítima acaba sendo um indivíduo de destaque frente aos demais, seja por
não se encaixar nos padrões convencionados de beleza ou se vestem de modo muito diferente dos demais; que se sentem inadequados ou afetivamente carentes. (...) Também podem ser escolhidos como vítimas as pessoas que se destacam pela beleza ou pela inteligência, ou que possuem objetos cobiçados que denotam melhor nível socioeconômico, devido à inveja que despertam. (MALDONATO,2011, p.18).
Há uma clara relação de discriminação e preconceitos frente às diferenças, por isso, negros, homossexuais ou pessoas com necessidades especiais são facilmente alvos dessas atitudes. Mas, também há práticas mascaradas, em que indivíduos para serem aceitos em grupos são, de alguma forma, rotulados ou sofrem constrangimentos diários, como exemplo os apelidos ou situações vexatórias rotineiras para participar de algum grupo.
Todavia, ao caracterizar-se propriamente a vítima, pode-se visualizá-la em três tipos: vítima típica, vítima provocada e vítima agressora. A vítima típica são os indivíduos tímidos, retraídos, com dificuldade de socialização e de se impor, são fisicamente mais frágeis que os seus colegas. A característica chave seria a falta de autoestima, o que lhe permite ficar calado frente às ofensas, ter medo e inseguranças tanto diante as ofensas como as atividades diárias, daí a possibilidade desse alvo ter dificuldade de aprendizagem.
Já a vítima provocadora são aqueles que não ficam calados frente às ofensas, contudo não conseguem revidar a altura da provocação. São indivíduos hiperativos ou impulsivos, que criam situações conflitantes por si próprios ou são induzidos a isso e acabam “na pior”. São assim, alvos fáceis para os agressores que se divertem à custa dessa vítima e ainda saem imunes das reclamações, porque a mesma acaba recaindo para esse tipo de vítima.
Enquanto que, a vítima agressora, é aquela que recebe uma ofensa, é por isso vítima, contudo procura outro indivíduo aparentemente mais frágil e faz o revide. Essa vítima tem a consciência que seus atos são errados e a forma de extravasar a sua raiva, “se vingar”, é praticando a agressão em outrem. Talvez essa forma de vítima seja uma das mais problemáticas, visto que há a propagação da prática de bullying, e também há a preocupação de até que grau o revide pode tomar e causar em outrem.
As vítimas de bullying, em todos os tipos, são pessoas que passaram por traumas e internalizam isso de diversas formas. Podem ter depressão (chegando até o ponto de cometer suicídio), fobias, transtornos de todos os tipos, e se tornarem adultos com sequelas, que se não forem controladas, serão externalizadas de diversas formas. Como exemplo da internalização adulta, seria o se continuar com transtornos ou autocriticas, depressões e medos de socializar, já da externalização seria o que passa para terceiros, alguma irritabilidade mais fácil ou agressividade e até demonstração de emotividade exagerada, atrapalhando as relações afetivas e até mesmo de trabalho.
Quanto à influência do psicológico na vida, nas emoções hoje já há estudos comprovados em relação à “somatização”. Este, é “um processo pelo qual distúrbios de origem psíquica, emocional, traduzem-se em mal-estar, com ou sem causa orgânica definida”(BUCHALL,2007,p.163), isto é, são sintomas físicos associados ao lado psíquico, sente-se a dor física, mas não se dá a comprovação de lesões em exames. Boa parte da população brasileira passa por essa doença que segundo estudiosos tem maior frequência na vida adulta.
A origem dessa situação encontra-se no estresse, em comportamentos histriônicos ou contidos demais da vítima diante das situações que lida. Se, mais cedo o indivíduo é exposto a situações de estresse ou traumáticas, como ocorre no bullying escolar, e não há o menor cuidado diante do seu psicológico, de expressarem seus sentimentos diante do que vivem, haverá sempre mais indivíduos adultos com o emocional abalado e se queixando de doenças sem causas orgânicas.
Quanto ao autocontrole emocional, Augusto Cury diz:
Sem uma infância produtiva, o Eu, que representa a consciência crítica e a capacidade de escolha, não desenvolve habilidades sociomocionais para se tornar autor da própria história, o que leva à geração de fobias, irritabilidade, timidez, insegurança, baixo limiar para frustações, consumismo, conformismo, conformismo.
A depressão e a ansiedade, hoje têm atingido tanto adultos quanto crianças e jovens, e não apenas por causas metabólico-cerebrais (déficits de neurotransmissores) ou traumáticas, mas também por falta do desenvolvimento de habilidades socioemocionais, como contemplar o belo, proteger a emoção, resiliência, filtrar estímulos estressantes.(CURY, 2015, p.12-13).
Entre as doenças psicossomáticas estão, por exemplo: afecção dermatológicas, doenças endócrinas que atuam diretamente nas defesas do organismo, problemas gastrointestinais, respiratórios e até imunológicos. A autora Maria Teresa Maldonado cita casos de bullying para ilustrar como o mesmo ocorre, neste há o relato claro de doença psicossomática já no indivíduo jovem:
Cleo, 17 anos, sofreu bullying em silêncio durante alguns anos; não tinha coragem de contar para os pais por medo de que eles resolvessem ir pessoalmente à escola, nem ousava entrar na sala da psicóloga por medo de alguém a ver e imaginar que ela iria falar sobre os colegas que a atormentavam. O medo de ser ridicularizada e de ser vista ainda como mais fraca do que se sentia a fazia guardar segredo. Mas a dor silenciosa cobrou seu preço: começaram os sintomas dos ataques de angústia. O coração acelerado, o suor frio, dores abdominais, dor no peito, como se houvesse mãos de ferro apertando e dificultando sua respiração, dificultavam enormemente a concentração nos estudos e a faziam sentir-se mal a cada dia em que entrava em sala de aula.(MALDONADO, 2011, p.11-12).
A sociedade está, cada vez mais, doente em virtude de violências mascaradas, toleradas e sem o devido olhar legislativo. O resultado disso é uma nação de indivíduos que abusam de antidepressivos e analgésicos.
A dor de cabeça, por exemplo, é um fator comum do século atual, mais um reflexo do desgaste social. Em recente estudo da Escola Paulista de Medicina (EPM –Unifesp) analisando crianças entre 8 e 12 anos, separando-as por grupos de crianças saudáveis, em tratamento e as sem tratamento de enxaqueca, obteve-se o resultado de que
crianças com enxaqueca sem tratamento tiveram um desempenho pior nos testes em comparação com os outros dois grupos, revelando quadros de déficits de atenção seletiva e alternada. Elas apresentaram altos níveis de impulsividade e ansiedade.”(ESTUDO, 2015,p.1).
Isso é altamente preocupante, já que estudos levam a uma média de que 20% da população brasileira sofrem dores de cabeça. São indivíduos que apresentam quadros de má alimentação, distúrbios de ansiedade ou de humor, stress, insônia e uso abusivo de analgésicos.
Os indivíduos adultos não se cuidam, vivem as suas rotinas calados, em uma sociedade que prega a crença de que se deve apenas aceitar as situações. Se já está assim, e sabendo-se que o bullying é uma violência que causa estresse e diversos distúrbios para o jovem, o que se pode esperar do futuro do país em uma cultura de estresse, depressão e violência mascarada crescente?
Por mais que haja a “resiliência”, que é a superação do bullying, o se usar das dificuldades para se ter foco em ações para o sucesso, ainda há casos extremos da vítima de bullying, em não suportando a violência cometer suicídio ou o homicídio.
Mesmo que seja uma situação extrema, não são isolados os casos de jovens que foram vítimas de bullying e fizeram o revide de forma desastrosa, como ocorreu em 2003 na cidade de Taiúva, em São Paulo. “Um ex-aluno de 18 anos atirou em sete pessoas e depois se matou na escola onde estudava. Na ocasião dos crimes, a polícia considerou o bullying como um dos principais motivadores dos assassinatos.”(GUIMARÃES, 2011, p.2).
Ademais, diversas são as análises quanto ao caso, como a pesquisa realizada pelo psiquiatra norte-americano Timothy Breweton. O estudo apurou 66 ataques em escolas no mundo, entre os anos 1955 a 2011 chegando-se ao resultado de que “87% dos atiradores sofriam bullying e foram movidos pelo desejo de vingança.”(BULLYING, 2011, p.1).
No Brasil, um dos maiores casos de repercussão foi o massacre na cidade de Realengo no Rio de Janeiro, em 2011. Ocorreu que Wellington Menezes de Oliveira, 24 anos, entrou no seu antigo colégio, Tasso da Silveira, e diferiu tiros contra professores e alunos, chegando a matar 12 pessoas e ao final se suicidou. Em vídeos retirados do computador de Wellington, que foram amplamente divulgados na internet, o autor do crime afirma que o lhe motivou a planejar o crime, foi o bullying que sofrera na mesma escola por seus colegas de classe.
Quanto à figura dos agressores, são indivíduos com características de força, que se impõe, podendo ser desrespeitosos. Podem ser do sexo feminino ou masculino, mais velhos que suas vítimas ou não, contudo a expressão de domínio e intimidação é o ponto chave deste indivíduo. Podem agir em grupo ou de forma isolada, irritam-se com facilidade ou apenas gostam de se sentir superiores frente aos outros, vangloriando-se de sua superioridade. Notadamente não possuem deficiência intelectual, mas demonstram falta de afeto pelos outros.
São características que se não reprimidas e observadas adequadamente, podem originar indivíduos criminosos e/ou propensos a uso de drogas, profissionais arrogantes e autoritários, desejo de superioridade, indivíduos tendentes à depressão ou a não controlar suas raivas. A pesquisadora Cleo Fante diz que
O agressor (...) pode sofrer queda no rendimento escolar e até evasão – como ele deixa de aprender, pode ser reprovado e perder a motivação para estudar. A longo prazo, ele pode cair na delinquência e no uso ou tráfico de drogas. Além disso, pode praticar o bullying em outros ambientes, como o trabalho e a família, tendo problemas nas relações profissionais e sociais e até nos relacionamentos afetivos e amorosos – prejudicados pela questão do poder, que tenderá a acompanhar o agressor. (FANTE, 20-?, p.1).
O poder acompanha o indivíduo, pois o mesmo não aceitando que possui essa arrogância, não se trata e leva consigo todas as ações de tormentos que causou. É uma realidade que não visualiza dois pilares básicos, fundamentos da CF/88: cidadania e dignidade da pessoa humana. Tampouco dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, observado no art. 3º da CF/88:
I-construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II-garantir o desenvolvimento nacional;
III-erradicar (...) e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV-promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.(BRASIL, 1988).
O bem viver proposto pela Constituição Federal que se observa em seu art. 3º, só é passível de realidade se os indivíduos que integram a nação praticarem os atos que a carta magna propõe. Todavia, se na base escolar já se observa os valores sociais deturpados e não há a atenção devida para isso, só se pode esperar o mesmo quesito, “valores sociais deturpados” para os seus integrantes adultos. Talvez, por isso, o alto índice de corrupção entre empresários e políticos no Brasil, a ganancia exacerbada pelo poder, por se sentir superior ao outro, bem como a violência generalizada nos Estados, havendo notadamente uma inobservância aos preceitos básicos da nação.
Quanto ao terceiro protagonista do bullying: “o espectador”, são aqueles indivíduos que “testemunham as ações dos agressores contra as vítimas, mas não tomam qualquer atitude em relação a isso: não saem em defesa do agredido, tampouco se juntam aos agressores.”(SILVA,2010,p.45). Há três tipos de espectadores: passivos, ativos e neutros.
Os “passivos” são como o próprio nome propõem, aqueles que nada fazem por puro medo se ser a próxima vítima. Segundo Ana Beatriz Barbosa Silva, estes indivíduos estão propensos a sofrer as consequências psíquicas do ato abusivo que presenciaram.
Já os “ativos” são aqueles indivíduos que não agem ativamente contra a vítima, o que não significa dizer que não participaram indiretamente para que a mesma estivesse na situação que se encontra. Eles manifestam apoio aos agressores, seja com palavras ou sorrisos.
Os “neutros” são os que não externam sensibilidade diante do que presenciam.
Frente aos espectadores, nota-se um problema mascarado, que é a omissão. A omissão em diversos casos pode ser tão grave que resulta em crime – art. 4º, Código Penal: “Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.” ; art. 13,§ 2º: “A omissão é penalmente relevante quanto o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. (...)” (BRASIL, 1940).
O bullying, como já dito, é uma prática reiterada, então mesmo que no momento do ato, por medo ou represália o indivíduo se mantenha inerte, posteriormente poderá alertar terceiros, seja algum superior, que no caso da criança ou do adolescente seriam os pais, professores ou diretores. Os valores básicos de ajudar ao próximo e de se sensibilizar frente à dor do outro são questões que devem ser trabalhadas nas escolas para formar adultos que saibam diferir o certo e o errado e agir de forma correta, mesmo que outros se neguem ou que o tentem intimidar. Adultos que busquem trabalhar em favor do outro, busquem soluções e amparos, evitando-se assim o se degradar o próximo e a anestesia dos sentimentos.
4 CLASSIFICAÇÕES DO BULLYING
O bullying possui, de certo modo, quatro classificações. A primeira tem haver com o número de sujeitos que a envolve, na qual pode ocorrer a prática por um algoz contra um único vitimado ou um grupo de agressores contra um ou mais de um vitimado.
Há ainda a classificação quanto às ações, estas que podem ser: verbal, moral, sexual, social, psicológica, físico, material, e virtual. A Lei 13.185/2015 trata disso em seu art. 3º e dispõe da seguinte forma:
Art. 3º. A intimidação sistemática (bullying) pode ser classificada, conforme as ações praticas, como:
I-verbal: insultar, xingar e apelidar pejorativamente;
II- moral: difamar, caluniar, disseminar rumores;
III- sexual: assediar, induzir e/ou abusar;
IV- social: ignorar, isolar e excluir;
V- psicológica: perseguir, amedrontar, aterrorizar, intimidar, dominar, manipular, chantagear e infernizar;
VI- físico: socar, chutar, bater;
VII- material: furtar, roubar, destruir pertences de outrem;
VIII- virtual: depreciar, enviar mensagens intrusivas da intimidade, enviar ou adulterar fotos e dados pessoais que resultem em sofrimento ou com o intuito de criar meios de constrangimento psicológico e social. (BRASIL,2015).
Em virtude das possibilidades de ações, nota-se que não é um rol taxativo, mas sim exemplificativo. Assim, para complemento da definição dada em Lei e levando-se em conta o estudo de Ana Beatriz Barbosa e Silva (2010,p.23), é possível acrescentar a ação verbal, o se ofender, fazer gozações, fazer piadas ofensivas e “zoar”. Já o material, pode envolver também o se atirar objetos contra as vítimas, e ao físico, o ato de ferir e beliscar. Quanto ao teor psicológico e moral o complemento seria quando ao discriminar, visto que vários estudos levam ao entendimento de que no bullying há a diferenciação em virtude da imagem, raça e cor da pele, orientação sexual e religiosa.
Quanto à classificação das ações na prática, os bullies podem manifestar uma única conduta violenta utilizando-se de vários atos. Pode, por exemplo, dar a sua vítima um apelido pejorativo e, ao mesmo tempo, isolá-la. Ou ainda, o ato pode se dar tanto no mundo físico, o cara a cara, seja ignorando ou disseminando rumores, como também ser feito no virtual, com imagens depreciativas, comentários maldosos.
Ademais, o bullying pode ainda ser classificado como o modo que se dá, é exteriorizado, este que pode ser direto ou indireto. Direta é aquela ação ou omissão na qual o vitimado tem conhecimento do seu agressor, recebe a ofensa e só ele sabe do ato violento ou outros também tomam conhecimento, mas ocorrem por atos perceptíveis e com autor (es) claros, exemplos seriam as ações físicas, material, verbal e moral. Já a indireta, é aquela que ocorre por uma ação ou omissão que acaba por refletir no vitimado e que não necessariamente se sabe de modo concreto quem é o algoz, por exemplo, as ações sociais de isolar, bem como psicológica de manipular e até a virtual, na qual nem sempre se sabe quem é o autor das ações.
A quarta classificação envolve a posição hierárquica dos envolvidos que pode ser horizontal ou vertical. Na horizontal, os indivíduos que sofrem e praticam a ação estão na mesma relação ou grau, por exemplo, são todos alunos. Já na vertical, envolve uma relação de subordinação ou disparidade, é o caso professor e aluno, diretor e aluno.
5 O ADOLESCENTE E O BULLYING: os principais tipos de bullying
5.1 Bullying na seara escolar
É o bullying mais comum e como tal recebe todas as classificações elencadas neste trabalho. É aquele que se dá dentro da escola, o que não significa dizer que não possa ter reflexos extra estrutura de ensino, porque tais atos abusivos podem continuar entre os colegas pela internet ou em outros locais, deve ser analisado o caso concreto.
5.1.1 Trote
Quanto a variável escolar, se faz importante levantar a questão do trote. Trote é uma trajetória universitária, em que o jovem consegue passar em uma universidade e ao adentrar na mesma, a instituição, que pode estar ligada diretamente aos atos ou não, por meio de uma turma de veteranos realiza as “boas vindas” ao calouro.
É um ato aparentemente inofensivo, contudo as ações praticadas no mesmo estão se tornando irresponsáveis, inadequadas e ofensivas. A desproporção dos atos é de tal modo que leva a internação de jovens ou até mesmo a sua morte. Um exemplo foi o que ocorreu em 2014 com estudantes universitários:
denunciaram a ocorrência de abusos sexuais e estupros no campus e em festas acadêmicas. As vítimas alegaram que não receberam apoio da instituição quando comunicaram o caso, mas a maioria ainda não havia relatado o ocorrido por medo e falta de apoio.(MARTINS, 2015,p.1).
Todavia, apesar do teor violento, trote não é considerado como bullying. Não resguarda as características de atos reiterados e lapso temporal.
5.1.2 Bullying homofóbico
É um tipo de bullying em que a variante principal é a homofobia. Pode se dar na escola ou fora dela, contudo os estudos sobre o tema demonstram uma maior ação dentro da escola. Recebe, de certo modo, todas as características gerais do bullying, mas a vítima o será em virtude da sua orientação sexual.
Sendo que, deve-se levar em consideração também, que se tratando de adolescente, pode ocorrer do jovem vitimado nem ao menos ser de fato homossexual, mas tão somente possuir características mais masculinas ou femininas. O sexólogo Dr. Pedro Rondón Navas (2015,p.1) diz que:
na sexologia, para que uma pessoa seja considerada homossexual tem que manter o mesmo padrão durante cinco anos no mínimo. Na infância não se sabe ainda se a pessoa é “gay” já que não tem um padrão sexual formado; este se forma a partir dos vinte ou vinte e um anos (NAVAS, 2015,p.1, tradução nossa)
Nesse caso, os danos do bullying tornam-se ainda mais severos. O jovem está em formação pessoal e de valores, duas questões que podem se tornar confusas e a forma como o indivíduo se aceita e se impõe como ser social podem ficar deturpadas.
Ademais, se o silêncio já é fator que prepondera entre as vítimas de bullying, no caso do homofóbico só tende a aumentar. Muitos jovens não assumiram a sua sexualidade para si e tampouco para as suas famílias. Famílias, que pela cultura do país ou religiosidade, nem sempre aceitam ou recebem bem o fato do seu filho ter optado por uma orientação sexual distinta da que o mesmo tem.
Em virtude da violência em maior proporção, diversos jovens, sem se aceitar e aguentar mais as ofensas, ou até mesmo com receio de como a sociedade e a sua família irá receber isso, acabam por cometer suicídio. Um aluno do Rio Grande do Sul vítima de bullying homofóbico relatou: “ “Ás vezes eu sinto que ninguém gosta de mim e a única solução é me matar.” ” (MARTINS, 2012,p.1). O jovem recebia agressões físicas e verbais dos colegas de turma e a instituição de ensino, bem como os professores, se mantiveram inertes ao caso.
Isso é preocupante, já que a cultura do preconceito no Brasil ainda hoje impera, sendo um dos países com maior número de assassinatos de homossexuais. Ademais, quanto a suicídio, o índice está na faixa etária dos 15 a 29 anos, tendo 6.9 casos para cada 100 mil habitantes, segundo a Organização Nacional de Saúde (OMS) em 2015. O suicídio é a segunda maior causa de morte entre os jovens.
“No caso de crianças, são estimadas 300 tentativas para um suicídio consumado, seja porque elas usam métodos pouco letal, seja por dificuldade de acesso a instrumentos.”(ZIEGLER,p.1, 2014). O menor comete o suicídio por impulso, não necessariamente planeja isso, tal realidade pode ser modificada com dialogo, incentivo e acolhimento. Não há dados precisos quanto a jovens vítimas de homofobia que cometem suicídio, contudo o bullying é um dos motivos para tal pratica.
Em 2014, “o Disque 100 revelou que a cada hora um gay sofre algum tipo de violência no Brasil.”(DIÓGENES, 2014,p.1). Há assim uma necessidade clara por mudanças na mentalidade da sociedade e isso se dá com projetos de conscientização, leis que tratem claramente da temática, bem como o amparo educacional e familiar.
O Ministério da Educação (MEC), juntamente com a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) vem dando importância à temática. Vários projetos foram criados, como o Brasil sem homofobia. Contudo, em relação às leis, homofobia, na seara penal, ainda não é considerada como crime com tipo próprio.
Isso, apesar da Constituição reprimir tal prática, principalmente em seu art. 3º, inc.IV. Além do ECA, principalmente em seu capítulo III que trata do direito à liberdade, ao respeito e à dignidade. Devendo, em relação a matéria na seara criminal, ser abrangida por artigos dispersos. Quanto a ótica cível, é passível da indenização.
5.1.3 Responsabilidade da escola
O estabelecimento de ensino responde objetivamente pelos danos do menor praticados na sua esfera de controle, a escola. Assim, se os atos ocorrem dentro da sala de aula, no refeitório escolar, o domínio passa para o órgão de ensino.
O art. 932, CC/02, inclusive, é claro em seu inciso IV quando diz “(...) estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação (...)”(BRASIL, 2002, p.208). É uma responsabilidade que independe de culpa (art. 933,CC/02).
Enquanto o menor está in vigilando da escola, a mesma responde pelos atos dele, salvo se for instituição pública, porque nesse caso a responsabilidade é do Estado. Sendo que, a situação pode até atingir ao professor, se o mesmo não cumprir com as suas funções e velar pela integridade do menor. E, quando o dano é causado pelo menor contra terceiros, a escola deverá responder independentemente de culpa, mas há a possibilidade de ação regressiva contra o adolescente (art. 928,CC).
Também é dada ênfase a responsabilidade do sistema de ensino pelo Código de Defesa do Consumidor, já que a relação “escola e aluno” é de consumo. A instituição de ensino é vista como uma prestadora de serviço e como tal, responde objetivamente, podendo se eximir de obrigação diante de culpa exclusiva da vítima e caso fortuito ou força maior, por haver o rompimento do nexo de causalidade.
Ademais, o art. 5º da Lei nº 13.185/2015 diz: “É dever do estabelecimento de ensino, dos clubes e das agremiações recreativas assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática (bullying).”(BRASIL, 2015). Chama a função da escola para a prevenção e proteção do menor diante do bullying, fator esse que exprime o entendimento do art. 70 do ECA: “É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente.”(BRASIL, 1990, p.1034).
A escola tem assim, a função de prevenir e combater práticas que eventualmente provoquem abusos ao menor. E se não o fizer, tampouco não comunicar os atos de maus tratos a entidade competente, também responderá pelo fato.
Apesar disso, não há lei criminal específica quanto ao bullying, que regule a responsabilidade do sistema de ensino. E, tampouco jurisprudência consolidada quanto a material, o que leva a um ato difícil de julgar tanto quanto a indenização, como para rotular como eventual crime. Além de ser difícil a coleta de provas e de se expressar o dano, visto que, a criança, muitas vezes, sofre calada, não informa aos pais ou a escola sobre os abusos ou não tem testemunhas ou documentos que comprovem o que vivencia.
Em vista disso, poucos julgados levam o fato a responsabilidade do sistema de ensino, rotulam o fato como “aborrecimento”, “algo difícil de se visualizar”, “sem relevância jurídica”:
TJ-RS – Apenlação Cível AC 70057843724 RS (TJ-RS) Ementa: Apelação cível. Responsabilidade civil. Ação indenizatória. Alegação de “bullying” no ambiente escolar. Ausência de comprovação. Inteligência do art. 333, I, do Código de Processo Civil. O fato descrito na exordial não tem relevância jurídica tratando-se de mero dissabor ou aborrecimento. Inexistência de prova, por parte do autor, de ter realmente passado por constrangimento grave. Para haver a indenização pecuniária, a parte autora deveria ter sofrido um constrangimento relevante, uma situação difícil, o que, em verdade, não existiu. Apelo não provido. (Apelação Cível Nº 70057843724, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ney Wiedemann Neto, Julgado em 20/03/2014, grifo nosso)
Outro julgado levanta os mesmos problemas:
TJ-SP –Apelação APL 00086272920128260048 SP 0008627-29.2012.8.26.0048 (TJ-SP) Ementa: Indenização por danos morais. Bullying. Alegação de omissão do colégio em coibir atitudes hostis praticadas por colegas de classe. ALUNA menor. Negativação do nome da genitora.dívida exigível. Decisão de improcedência em primeiro grau. (...) 3.Bullying. Incabível a inversão do ônus da prova. Impossibilidade do réu provar o fato negativo. Aplicação do art. 333, I do CPC. Ausência de provas acerca da prática de bullying, bem como de eventual conduta omissiva do réu. Alegações das autoras, desacompanhadas de documentos ou de testemunhas. Ainda que considerada a responsabilidade objetiva do prestador de serviços, não há caracterização de danos morais, pois não houve prova da prática do ato ilícito, do dono e do nexo causal. Preliminar rejeitada. Recurso não provido. (Apelação Cível Nº APL 00086272920128260048 SP 0008627-29.2012.8.26.0048, 5ª Câmara de Direito Privado, Relator: Edson Luiz de Queiroz, Julgado em 09/06/2014, grifo nosso).
Há sim julgados positivos, que visualizam o bullying como uma conduta violenta e que causam danos ao indivíduo. Contudo, não há essa prevalência, muito em virtude da dificuldade em se comprovar as condutas e pela falta de regulamentação da matéria na ceara cível e criminal. Recente julgado positivo foi:
TJ-DF 20110710371373APC (0036190-86.2011.8.07.0007) Ementa: APELAÇÃO APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL. CONSUMIDOR. REPARAÇÃO DE
DANOS. ABALO PSICOLÓGICO. AGRESSÕES EM AMBIENTE ESCOLAR. OMISSÃO DA ESCOLA. DANO MORAL CARACTERIZADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO. TRATAMENTO PSICOLÓGICO. CUSTEIO TEMPORÁRIO.
1. A ocorrência de ofensas e agressões no ambiente escolar por reiteradas vezes, bem como a atitude tímida e ineficaz da escola em solucionar o problema, configura dano moral indenizável, por acarretar abalos físicos e psicológicos à aluna.
2. O valor fixado a título de compensação por danos morais, em que pese a falta de critérios objetivos, deve ser pautado pela proporcionalidade e razoabilidade, além de servir como forma de compensar o dano sofrido e de inibir a conduta praticada.
3. Em que pese a responsabilidade da escola em arcar com o tratamento psicológico da aluna vítima de bullying, tal condenação não deve se prolongar ad eternum, devendo ser fixados critérios razoáveis para o cumprimento da obrigação.
4. Apelação conhecida e parcialmente provida.(Apelação; Processo Nº 20110710371373APC (0036190-86.2011.8.07.0007); Acórdão Nº 860047; 1ª Turma Cível; Relatora: Des. Simone Lucindo; Julgado:08/04/2015, grifo nosso).
Frente ao já mencionado, espera-se que com a Lei 13.185/2015, ao menos a forma de se caracterizar a conduta seja mitigada e que os casos de bullying levados a justiça sejam vistos com maior relevância jurídica.
5.2 Bullying virtual
Cyberbullying ou bullying virtual é um tipo de bullying. “Caracteriza-se por ataques usando mensagens de texto do celular, câmeras, ou o computador por meio de redes sociais, sites de vídeo, e-mails com o objetivo de depreciar, humilhar, difamar, fazer ameaças e aterrorizar uma pessoa ou um grupo escolhido como alvo.” (MALDONADO, 2010, p.62).
Há intimidação sistemática na rede mundial de computadores (cyberbulling), quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial.(BRASIL, 2015).
São basicamente seis as diferenças do bullying, ou o gênero do teor violento, para a sua espécie cyberbullying. A primeira tem haver com o ambiente, no bullying há uma delimitação física de espaço, o ambiente escolar, já no cyberbullying não, tudo ocorre em um ambiente virtual ou pode inclusive se estender a ele, levando-se a hipótese das práticas violentas ocorrerem no mundo real e os agressores fazerem uso também do virtual para denegrir e humilhar a sua vítima.
A segunda diferença, é que por estar em um universo livre, no bullying virtual há uma imprecisão, em muitos casos, quanto a quem seja o autor das ofensas. A internet permite que o indivíduo fique escondido em um nome ou identidade falsa, daí também a se levar a terceira distinção, que é o não se ter a diferença clara de poder, pois qualquer um pode ser o agressor ou a vítima. A quarta faz menção a proporção que as ofensas e a depreciação podem atingir, já que a propagação de mensagens, vídeos ou fotos na rede é algo rápido e sem dimensão, podendo chegar a um nível mundial. Já a quinta diferença envolve o não se ter a necessidade de repetição, justamente pela propagação do evento danoso ser rápido e de humilhação imensurável.
Apesar do agressor, frente ao cyberbullying, se visualizar em um mundo do anonimato, em uma terra de ninguém, tais práticas configuram crime. E, um especialista em segurança da informação pode de modo eficiente chegar ao autor das ofensas por meio do Internet Protocol (IP) presente nos computadores.
As práticas do cyberbullying configuram crime de ação penal pública condicionada a representação, se fazendo necessário que a vítima vá a uma delegacia e faça a queixa crime ou na própria internet, em que há sites especializados como o . Para eventual comprovação das alegações é fundamental que a vítima guarde as páginas de ofensas ou o vídeo, por exemplo, e mostre o conteúdo para a polícia. “Também é possível registrar uma ata notarial em um cartório de notas. Nestes casos, o cartório acessa e imprime o conteúdo ofensivo, nos mesmos moldes do escrivão de polícia, pois ambos possuem fé pública."(JORGE,2011, p.3).
A sexta diferença guarda relação com a aplicabilidade dos crimes. No bullying virtual há a possibilidade de se aplicar os crimes de calúnia (art. 138, do CP), difamação (art. 139,do CP), injúria (art. 140, do CP) e falsa identidade (art. 307, do CP), que como já analisados, não guardam dimensão igual para o bullying propriamente dito. Mas, ambos podem envolver os crimes de ameaça (art. 147, do CP), constrangimento ilegal (art. 146, do CP).Não há, contudo lei federal própria sobre o ciberbullying.
Nota-se também que para o ciberbullying há a possibilidade de se aplicar o art. 65 da Lei de Contravencoes Penais (perturbação e tranquilidade). Tal questão se faz possível diante de “stalking”, que é uma perseguição persistente, em que o agressor persegue a sua vítima invadindo seus dados eletrônicos.
Uma questão de relevância ao caso é que de acordo com a melhor doutrina embasada em estudos e análises sobre o caso, os maiores praticantes dessa violência são os adolescentes. Mais precisamente em uma faixa entre 11 e 18 anos de idade, levando as punições para o quadro do Estatuto da Criança e do Adolescente e não propriamente ao Código Penal em se tratando de punição direta ao agressor.
Contudo, não há de se retirar a possibilidade de indenização na ceara cível por envolver conduta voluntária, dano e nexo causal, pressupostos esses da responsabilidade objetiva. Trata-se de condutas que violam a honra, a imagem e a boa fama de uma pessoa e essas atitudes são expressas no Código Civil, como no art. 20 desta lei, por exemplo, e na própria CF/88, como demonstra seu art. 5º, inc.X.
Levando-se em conta o art. 927 do CC/02, há uma clara demonstração de se haver a indenização, entretanto, se tratando de ato ilícito praticado por menores, a responsabilidade em regra recai sobre os pais desses, conforme preceitua o art. 932, inc.I do Código Civil.
5.2.1 Sexyting
A nova prática de Cyberbullying esta na modalidade de “sexting”, esta é uma atividade recente que se dá principalmente entre os jovens. Sexting é um termo em inglês que significa “sexo por mensagem ou texto”, é o ato de se tirar fotos íntimas, fazer vídeos individuais ou em casal com teor mais íntimo e até mesmo sexual ou se escrever mensagens provocantes e se enviar para outra pessoa, seja o namorado (a) ou amiga (o).
É algo preocupante, já que a prática está em crescimento.
Dados da Safernet mostram que somente em 2014 foram registrados 224 pedidos de ajuda – nos canais de atendimento – para casos de sexting, um aumento de 120% em relação a 2013 quando foram registrados 101 casos. Meninos e meninas produzem e compartilham imagens íntimas, mas as mulheres são as que mais sofrem. Em 2014, 81% das pessoas que pediram ajuda à ONG eram mulheres. (SALLES, 2015,p.1).
O problema central da prática está na exposição de quem a pratica. A internet é um meio de fácil acesso e os conteúdos que chegam a ela são propagados de forma fácil e rápida. Assim, em segundos, imagens, textos ou vídeos que foram enviados a uma única pessoa, podem ser vistos e repassados para outras e o que fica para a vítima é apenas a humilhação pública, a vergonha, e suas imagens públicas por um tempo imensurável, mesmo que sem o seu consentimento.
Pode afetar o psicológico do indivíduo, bem como a sua vida profissional ou possibilidade de ingressar em algum meio de trabalho. Sem contar, que como não se tem como controlar a prática, a possibilidade de se aliciar menores cresce, bem como os crimes cibernéticos.
Divulgação de qualquer tipo de imagem de adolescente é crime segundo o art. 241 e s/s do ECA. Podendo gerar penas de reclusão e multa, o tempo a depende do caso e situação que o jovem irá se enquadrar. Por exemplo:
Art. 214-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfico envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão , de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.(BRASIL, 1990).
Quanto à indenização, é uma questão plenamente possível de existir, já que é um ato ilícito e a sua pratica envolve os pressupostos da responsabilidade civil: conduta voluntária, nexo causal e dano. Ademais, a própria CF/88 preceitua em seu art. 5º, inc.X e XI a proteção a imagem, deixando claro em seu inciso X que é assegurado em caso de violação desse direito, a indenização. Sendo que
segundo o Supremo Tribunal Federal, para a condenação por dano moral não se exige a ocorrência de ofensa à reputação do indivíduo. No entendimento da Corte Suprema, a mera publicação não consentida de fotografias gera o direito à indenização por dano moral, independentemente de ocorrência de ofensa à reputação da pessoa, porquanto o uso indevido da imagem, de regra, causa desconforto, aborrecimento ou constrangimento ao fotografado, que deve ser reparado.(ALEXANDRINO, 2013, p.136).
Também é perfeitamente possível a aplicação ao caso do art. 20, do CC/02 que protege a imagem do indivíduo. Trata o presente texto legal de divulgação de escritos, exposição da imagem que poderão ser proibidas, “sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.” (BRASIL, 2002, p.155). A imagem é algo intrínseco ao indivíduo, um direito fundamental da personalidade do mesmo que não pode ser violado. Por isso a sua amplitude de proteção.
5.3 Bullying doméstico contra o adolescente
O bullying doméstico se dá como o próprio nome diz, no ambiente doméstico, é assim um tipo de violência doméstica. Seu termo é recente, todavia a sua prática é muito antiga, o que acaba por tornar a cultura social mais difícil de aceitar a questão.
Seus sujeitos são: vítima, agressor e espectadores, em que todas as pessoas pertencem ao seio familiar. A vítima envolve o indivíduo em formação, o adolescente. Já o agressor, pode ser um dos pais ou os pais, um irmão ou outro parente que detenha poder sobre a vítima. Os espectadores seriam todos aqueles que presenciando as ofensas nada fazem.
Quanto à classificação das ações, pode se dar de todos os meios. Exemplo de ação verbal seriam “frases do tipo, “Você não sabe fazer nada direito,”, “Porque você não é inteligente como seu irmão?”, ”Você não entende nada do que eu falo, você é muito burro.”(...).”(SANTANA, 2013,p.1). São atos que levam o jovem a anorexia, a baixa auto estima, ao isolamento social, a apresentarem distúrbios e diversas doenças.
Como consequência, o adolescente pode se tornar
um adulto com baixa auto-estima, inseguro e dificuldade de se relacionar, podendo se tornar uma pessoa apática, retraída, indefesa aos ataques externos. Na maioria das vezes considera-se inútil, podendo desenvolver quadros de neurose e em alguns casos mais graves psicoses a depender da intensidade da agressão. Alguns também desenvolvem tendências suicidas.(SANTANA, 2013,p.2).
Os efeitos dependem de como o jovem foi afetado com as ofensas e como a sua capacidade de resiliência pode ser trabalhada ao caso em questão. Porém, deve-se prezar pela integridade do menor e se buscar cuidados ao mesmo. Daí a importância da Lei da Palmada, Lei 13.010 de 2014.
Essa norma veio como medida para solucionar tais práticas abusivas contra o menor. Ela alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente, acrescentando os artigos 18-A, 18-B e 70-A, que reprimem os castigos físicos, bem como ofensas e humilhações pelos pais e integrantes da família ao menor.
Em recente julgado se entendeu sobre a matéria:
APR 00095631020128190061 RJ 0009563-10.2012.8.19.0061 Ementa: Juizado Especial Criminal. Apelação. Lesão Corporal Culposa. Coesa a prova testemunhal. Declarações da vítima corroboradas pelo Auto de Exame de Corpo de Delito. (...) DO MERITO 2. Menor de 08 anos. Causa espécie que ainda nos tempos de hoje precise o educador – aprovada a Lei da Palmada – empreender contato físico com o menor para fazer valer o castigo. A verdade é que arranhões, empurrões, são absurdos originados de quem confere a norma o dever de cuidado. Culpar a criança de ter sido agredida “sem querer” é um discurso negativo que serve a qualquer agressor, tendo como vítima pessoa idosa, criança, mulher, homossexual. “Bati porque a idosa não queria comer”. “Bati porque esta criança é terrível”. “Bati porque a mulher estava me irritando”. É o mesmo discurso de quem maltrata, e, até mata,, sob o argumento de que a criança é levada e precisa de um corretivo e, assim, . vai. (...) (Apelação criminal; Processo nº 00095631020128190061 RJ 0009563-10.2012.8.19.0061; Órgão Julgador:2ª Turma Recursal Criminal; Relator: Claudia Marcia Gonçalves Vidal; Publicação:09/10/2015)
De fato, espera-se que o ambiente familiar traga mais acolhimento aos seus envolvidos e que condutas com teor agressivo sejam evitadas e mitigadas a um nível normal de bom convívio. Afinal, discussões podem existir, mas isso não dá o direito de nenhum indivíduo torturar psicologicamente o outro, tampouco por que detenha um papel de superioridade no lar.
Ademais, diante de bullying praticado contra a mulher, é possível se fazer uso à Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06). E, por conseguinte, a Súmula 542 do STJ que trata da ação penal diante do crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher, sendo o mesmo pública incondicionada. Nessa hipótese, por haver proteção legal, há uma segurança maior para o vitimado, entretanto, nos demais casos de bullying, por não haver lei criminal específica, não há tal garantia.
6 CONCLUSÃO
Diante do exposto, constatou-se que o bullying é uma forma de violência com características, classificações e definições individualizadas. E que, grande apoio a isso foi a criação da Lei nº 13.185 de 2015 que entrou em vigor em 2016, definindo a matéria de modo legal em âmbito federal.
Notou-se que, apesar desse avanço legal, ainda se faz necessário à criação de leis na seara criminal que tratem da matéria, bem como jurisprudências consolidando o tema. Observou-se que há a possibilidade de indenização para o adolescente vitimado pelo bullying, mas que o se provar o caso na prática ainda se faz difícil, não há flexibilidade jurisprudencial ou legal quanto a isso para o bullying. Constatou-se também que o bullying não é tipificado como crime, e as leis que atuam para punir não abrangem muitas situações. E, apesar de envolver responsabilidade objetiva da escola, não há um controle satisfatório do Estado para que seja coibido o bullying, além de ser difícil a comprovação do dano e eventual nexo de causalidade na prática.
Ademais, no Brasil, vigora o princípio da legalidade, que é cláusula pétrea com previsão legal nos arts. 5º, inc.II, CF e 1º, do Código Penal. Entendendo-se, que não haverá conduta criminosa se não houver lei, e nenhum indivíduo poderá ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo sem lei. O bullying não possui lei penal, não é definido como crime ou contravenção penal, o que leva a diversos casos com adolescentes, não serem punidos com medidas sócio educativas. E, por não haver texto legal ou jurisprudência especificando punitivamente quanto à responsabilidade frente aos participantes dessa violência, observa-se que o bullying continuará a ser tido como “irrelevância jurídica” para diversos tribunais.
Assim, sem uma maior atenção legal e jurídica do Estado, a sociedade e a própria vítima continuarão com o sentimento de insegurança. Já que, a dignidade do indivíduo não está sendo tomada como prioridade, não está havendo o olhar sério de que essas condutas são violentas e devem ser reprimidas, sejam com reais chances de indenização na prática, bem como punições ao adolescente e as instituições de ensino.
O Brasil, que atualmente está em crise no setor da educação, se propõe a melhorar o sistema de ensino público. E, ficou constatado que há o intuito com a Lei 13.185/2015, de se fazer cobranças para que as redes de ensino se adequem a realidade do bullying, ao cuidado do psicológico do adolescente. Mas, mesmo após a instituição dessa lei, os casos dessa violência se mantiveram, evidenciando-se que os"avanços"do Estado não são de fato eficazes. Notório, visto que, o sistema de ensino possui problemas graves para se evitar a evasão escolar (principalmente quanto a manter o indivíduo na escola), o trabalhar o emocional do aluno, e se fazer a conscientização do bullying; além do que na prática as cobranças não tem a fiscalização adequada neste país, bem como não são aplicadas sanções eficazes quanto ao descumprimento de medidas de amparo ao menor.
O adolescente hoje está impune a prática do bullying pela crença social de que as condutas praticadas por essa violência são inofensivas e não devem receber tanta atenção. Há ainda o descaso da família, da escola e da sociedade, que se mantêm caladas, não buscam soluções junto aos órgãos competentes de cuidado ao menor. Todavia, este trabalho mostra que essa crença é sem consistência, que a prática do bullying gera sequelas ao indivíduo e atinge toda a sociedade, seja porque jovens deixam de estudar, se suicidam, praticam homicídio como forma de revide, ou se tornam adultos com dificuldade de relacionamento, agressivos ou tendentes à depressão.
E que também o menor quando adulto pode se tornar um profissional que pratica a resiliência, tendo grande eficiência na vida profissional. Mas, para isso, deve-se tratar o emocional do indivíduo desde cedo, sejam eles vítima, agressor ou espectador. Visto que, o jovem afetado quando maior, pode até vencer os seus medos sem base emocional externa, apenas por si só, contudo estes ainda não são a maioria da nação, a maioria são aqueles que sem amparo psicológico vivem a base de remédios, com transtornos, sofrendo calados, internamente, dia após dia, gerando os reflexos em doenças, e em um cotidiano de mais violência aceitada.
Conclui-se assim, que o bullying praticado por adolescentes deve receber maior relevância do Estado, da sociedade, na figura principal da escola e da família. Que se deve buscar soluções para minimizar os efeitos desastrosos dessa violência e haver o controle efetivo da mesma, deve haver políticas públicas atuantes e leis ou jurisprudências que facilitem a questão das provas para a vítima, reprimam e tratem da responsabilidade de todos os envolvidos nos atos. Que o sistema educacional para o adolescente, se volte para o se trabalhar o emocional do aluno, permitindo que o jovem busque a “resiliência” e consiga superar os traumas causados por essa violência silenciosa.
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Keyla K. Holanda
Advogada especialista em Direito P.Penal
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