Residenza Elettiva, Permesso, Carta di Soggiorno Itália

Residência Eletiva - Itália Em que hipóteses a autorização de residência é emitida para residência eletiva? A autorização de residência para residência eletiva pode ser emitida em quatro hipóteses diferentes: a) ao estrangeiro que possui visto de entrada para residência eletiva. (Decreto Interministerial de 11 de Maio de 2011 e Regulamento (UE) no 977/2011 da Comissão, de 3 de Outubro de 2011, que altera o Regulamento (CE) no 810/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o Código Comunitário de Vistos (código de visto). b) ao cidadão estrangeiro titular de autorização de residência para trabalho subordinado, de forma autónoma ou familiar, mediante conversão da autorização de residência (artigo 14.º, n.º 1, alínea d), Reg.Att.); c) o cidadão estrangeiro "outro membro da família" de cidadão comunitário (Circular do Ministério do Interior de 18/07/2007); d) ao cidadão estrangeiro empregado pelo Vaticano (Circular do Ministério do Interior de 24/05/2005). A) cidadã

Tráfico Internacional de Pessoas para fins de Exploração Sexual/International Trafficking in Persons for Sexual Exploitation



Lorraine Oliveira Reis,

Nathalia Dias da Silva,

Sara Munique Arantes Terra.

Resumo:

 O presente artigo diz respeito ao estudo do Tráfico Internacional de Pessoas para Exploração Sexual. Possui como objetivo analisar o presente delito, com enfoque no Direito Penal. Para tanto, fez-se uma delimitação para compreensão inicial acerca de breves conceituações pertinentes a introduzirem o tema, tal como a evolução histórica. Já em segundo momento, adentrou-se na temática do tema proposto com as suas principais características e a delimitação de sua previsão legal. Por fim, realizou-se análise jurisprudencial voltada para o tema, por meio de julgados proferidos. Sendo, para tanto, realizada pesquisa bibliográfica. Com o presente estudo, pode-se constatar que o Tráfico Internacional de Pessoas para Exploração Sexual causa um desrespeito ao ser humano, fato esse que apesar de ser constantemente acometido, ainda não é um assunto divulgado perante a sociedade, não sendo demonstrado suas reais dimensões.

PALAVRAS-CHAVE: Exploração Sexual; Evolução Histórica; Análise Jurisprudencial.

ABSTRACT: This article concerns the study of the International Trafficking in Persons for Sexual Exploitation. Its purpose is to analyze the present crime, focusing on Criminal Law. To this end, a delimitation was made for initial understanding about brief pertinent conceptualizations to introduce the theme, as well as historical evolution. In a second moment, it focused on the theme of the proposed theme with its main characteristics and the delimitation of its legal provision. Finally, there was a jurisprudential analysis focused on the theme, through judgments handed down. Therefore, a bibliographic search was performed. With the present study, it can be seen that the International Trafficking in Persons for Sexual Exploitation causes a disrespect to the human being, a fact that despite being constantly affected, is not yet a matter disclosed to society, and its real dimensions have not been demonstrated.


KEY-WORDS: Sexual exploitation; Historic evolution; Jurisprudential Analysis.

1. Introdução

O presente tema a ser tratado neste artigo, trata-se do Tráfico Internacional de Pessoas para Exploração Sexual, que se caracteriza pelo recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou o uso da força ou a outras formas de coação, para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração, podendo se dar para prostituição, trabalhos ou serviços forçados, servidão ou a remoção de órgãos.

Nesse sentido, encontra-se previsto nos Art. 149-A, V e 228 do Código Penal, bem como na Lei nº 12.015/2009, capítulo V e Lei nº 13.344/2016 e, ainda na Convenção de Palermo, Decreto nº 5.017/2004, visando punir o agente diante de tal prática.

Dessa forma, levando em consideração a complexidade do tema, vez que se trata de uma conduta que atinge milhares de vítimas, mostra-se necessário seu estudo, com intuito de proporcionar um melhor entendimento acerca das dimensões deste delito, visando conscientizar a sociedade, diante da ausência de exposição do assunto.

Logo, será estudado algumas considerações acerca do tema, no tocante a evolução histórica do Tráfico Internacional de Pessoas para Exploração Sexual. Adiante, será adentrado ao tema, trazendo suas características e previsão legal. Por fim, será realizado uma análise jurisprudencial com aprofundamento ao tema, demonstrando a aplicação da medida com extrema gravidade com os presentes fundamentos.

O objetivo geral da pesquisa visa analisar as características e desdobramentos do delito do Tráfico Internacional de Pessoas para Exploração Sexual. Possuindo os seguintes objetivos específicos: conceituar a exploração sexual, analisar de forma doutrinária e jurisprudencial acerca do tema, bem como adentrar na temática do tráfico internacional de pessoas.

Diante disso, a metodologia usada para se atingir o objetivo deste estudo, se configura como uma pesquisa bibliográfica, através de livros, documentos digitais e análise jurisprudencial, bem como a legislação vigente que dispõe sobre o assunto em estudo. Possuindo uma abordagem qualitativa, onde se dará por meio de conceituação, comparações e interpretações para responder aos questionamentos propostos.

2. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS PARA EXPLORAÇÃO SEXUAL

O Tráfico Internacional de Pessoas para fins sexuais com toda a repercussão que temos hoje é algo recente. Entretanto, a análise histórica mostra que, desde os séculos XVI a XIX, escravas negras foram obrigadas a se prostituir pelos seus senhores. Finda a escravidão negra, a migração trouxe as escravas brancas para serem exploradas sexualmente. Assim, o Brasil se tornou exportador de escravos para fins sexuais, faturando bilhões com o comércio de seres humanos. Deste modo, é necessário o estudo de sua evolução histórica.

2.1 Tráfico de Escravos Negros

A escravidão é um fato histórico bem mais antigo que o tráfico de negros, era usado para qualquer tipo de tarefa. Havia uma relação de propriedade entre o senhor e o escravo, bem como ter escravos representava status e poder, vez que para ter um escravo era necessário um grande investimento.

Existia também o caso da escravidão do negro por nunca conseguir quitar suas dívidas. De acordo com Rodrigues (2013, p. 55), mesmo com toda a referência feita entre tráfico de pessoas como uma forma de escravidão, existe uma grande diferença entre o tráfico de pessoas que ocorre nos dias de hoje e o tráfico negreiro dos séculos XVI a XIX no Brasil, sendo que este último não era ilegal.

Sob esta ótica, Rodrigues debate sobre um caso com bastante relevância acerca da escravidão, vejamos:

A violação sexual das negras se dava especialmente por parte dos senhores, mas ocorria também nas senzalas. Um caso emblemático, analisado por Janaína Paschoal, é o da escrava Honorata. Embora comprovadamente estuprada por seu senhor quando tinha cerca de 12 anos de idade, não houve por parte do Poder Judiciário qualquer tipo de punição. O juiz da primeira instância pronunciou o acusado, porém a Relação de Pernambuco, com o voto do Desembargador Freitas Henriques, anulou o feito ab initio, alegando desde questões formais, como a proibição de a escrava dar seu depoimento em juízo sem ser representada pelo senhor, até a razão absurda de que não poderia haver crime de estupro contra uma escrava, uma vez que o tipo penal exigiria duas pessoas livres. Conforme leciona Paschoal, trata-se de mais um caso de interpretação viciada da legislação penal e processual vigente à época. (RODRIGUES, 2013, p. 56).

Deste modo, existiam diversas formas de escravidão e também da prostituição das escravas. Segundo Rodrigues (2013, p. 56), existiam os senhores que enfeitavam as negras com joias de ouro, rendas e roupas finas e as ofereciam aos clientes, outros obrigavam as negras, independente de idade, a se oferecerem nas ruas e nos portos, onde ficavam vulneráveis a doenças. Todos esses serviços pertenciam aos senhores, sendo que alguns sobreviviam dessa fonte de renda e outros para complementação.

A partir do século XIX, já era possível presenciar ações de liberdade em favor das escravas por parte de advogados. Propuseram várias ações de liberdade das escravas, mas segundo Rodrigues, merece destaque o acórdão de Sabina e Salustiana:

O que tudo visto e bem meditado, salta aos olhos que, não tendo a nossa legislação dito cousa alguma sobre a prostituição forçada das escravas, e não se devendo crer que assim procedeu o legislador brasileiro, por entender que era ela permitida, deixou que entre nós vigorasse como Direito subsidiário o Romano, que é a respeito, expresso e salutar. E passando do direito ao fato, encontra-se nos autos plena prova de que as Autoras foram forçadas à prostituição e que disso auferia lucros a Ré, que se não livra da imputação e responsabilidade simplesmente por dizer que não lhes infringia castigos corporais, certo como é, que para os escravos constitui coação a ordem do senhor, a quem estão sujeitos sob pena de sofrerem a sua severidade e maus-tratos. [...] julgo provada a intenção das Autoras, e condeno a Ré nas custas; declarando, como declaro, aquelas livres pela presente sentença que lhes servirá de título. Rio, 4 de julho de 1872. Joaquim Francisco de Faria. (RODRIGUES, 2013 p. 58).

Diante disso, “em cerca de 1.600 Ações de Liberdade propostas, 729 escravas obtiveram a alforria por serem constrangidas pelos senhores a se prostituir.” (RODRIGUES, 2013, p. 58). Mesmo após a abolição da escravidão, era possível encontrar ex-escravas negras na prostituição.

Nas palavras de Rodrigues:

Passado mais de um século da abolição da escravatura pela Lei Áurea (1888), poder-se-ia esperar uma evolução social capaz de superar essas atrocidades. Formalmente isso aconteceu. No Brasil, o Decreto n. 58.563, de 1o- 6-1966, promulgou a Convenção sobre Escravatura, de 1926, emendada pelo Protocolo de 1953, e a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, de 1956. Seu art. 2º determina que os Estados signatários se comprometam a impedir e a reprimir o tráfico de escravos e a promover a abolição completa da escravidão sob todas as suas formas. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, estabelece em seu art. 4o que ninguém será mantido em escravidão ou servidão, e que a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas. O Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, também trata da matéria. O art. 6º proíbe a escravidão e a servidão, bem como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres. (RODRIGUES, 2013, p. 59).

Conforme evidenciado acima, diante de toda a repercussão a respeito da abolição da escravidão houve a criação de convenções e leis para coibirem e tornar cada vez mais difícil tal ato.

2.2 A Transição do Tráfico de Escravas Brancas ao Tráfico de Internacional de Pessoas

Diante da abolição da escravidão de negros, passou a existir outra preocupação, o tráfico de escravas brancas para fins de exploração sexual. A mulher foi transformada em um produto de exportação. Conforme traçado por Rodrigues (2013, p. 60), do século XIX às primeiras décadas do século XX, Buenos Aires e Rio de Janeiro foram as capitais do tráfico internacional de mulheres na América do Sul e constituíam a porta de entrada para as demais cidades do continente.

Assim, conforme Nottingham e Frota, resta necessário distinguir prostituição de exploração sexual:

Por prostituição consideramos atividade exercida por mulher adulta e consciente, que desempenha a função de forma voluntária e autônoma. Já a exploração sexual é considerada atividade que mantém uma mulher na prostituição contra sua vontade ou tendo que dividir seus ganhos com terceiros, sendo esses últimos evidenciados nas figuras do cafetão e/ou da cafetina. Por fim, o tráfico de mulheres é evidenciado como aquele que prevê o aliciamento, transporte e exploração das vítimas no destino final. As finalidades arroladas no tráfico de pessoas atualmente são múltiplas 3 , mas para os objetivos desse estudo consideraremos apenas aquela para fins de exploração sexual. (NOTTINGHAM; FROTA, 2012).

Resta extrair que a diferenciação consiste na vontade da mulher, uma vez que em relação à prostituição, a mulher por sua própria vontade, de forma voluntária opta por tal ato. Já no caso da exploração sexual a mulher não decide pelo seu próprio corpo, é algo realizado sem sua vontade.

Adiante, em relação ao tráfico de mulheres para exploração sexual, Rodrigues explica:

As mulheres eram aliciadas das mais diversas maneiras, assim como acontece hoje. Certos traficantes se casavam com as vítimas e chegavam aqui como verdadeiros casais. Algumas mulheres chegavam sozinhas, e outras vinham como integrantes de companhias artísticas. Essas mulheres chegavam ao País sem conhecer ninguém e sem entender o idioma, o que as tornava presa fácil da exploração sexual. Muitas delas assinavam contratos com seus exploradores, contratos esses elaborados de tal forma que elas se viam devedoras pelo resto da vida, como ocorre hoje, na chamada escravidão por dívida, muito comum nos rincões do Brasil. (RODRIGUES, 2013, p. 60).

Existiam diversas formas das mulheres caírem nessa questão da exploração sexual. Os traficantes aproveitavam da fragilidade da mulher, ou seja, por estar fora de seu país sem entender o idioma. Assim, elas sem perceberem se encontravam em uma situação de dívida eterna.

Em seguida, era notada a grande presença de estrangeiras para exploração sexual. Segundo Rodrigues, é importante se atentar ao levantamento feito:

No ano de 1914 a polícia registrou 812 prostitutas no Estado. Desse montante, 721 eram brancas, 60 pardas e 31 negras, sendo apenas 303 brasileiras. Das estrangeiras, a maior parte vinha da Rússia, Itália, Alemanha e França. A Primeira Guerra Mundial prejudicou o incremento do número de estrangeiras. Tanto que em 1915 a polícia abriu apenas 269 novos prontuários de prostitutas, sendo 181 brasileiras e 88 estrangeiras.

Em 1922, existiam 3.529 prostitutas cadastradas em São Paulo. Dessas, 1.936 eram brasileiras e 1.593 estrangeiras. As estrangeiras vinham especialmente da Rússia (468), da França (255), da Itália (245), de Portugal (155) e da Espanha (143).

Em 1936, constavam 10.008 prostitutas cadastradas em São Paulo. A maior parte delas – 5.400 mulheres – era estrangeira. As francesas representavam quase 6% do total, com 576 mulheres. Na sequência apareciam as polonesas (439), as portuguesas (413), as alemãs (375), as argentinas (351), as italianas (330), as russas (287) e as lituanas (282). 4.608 mulheres eram brasileiras. Do total, 8.077 eram brancas.

No Rio de Janeiro24, as estatísticas caminham no mesmo sentido. No ano de 1912, o levantamento feito por um delegado apontou que, num total de 94 casas toleradas, havia 299 mulheres, sendo 160 estrangeiras. Em primeiro lugar apareciam as russas (33), depois as italianas (30), as espanholas (20) e as francesas (16). (RODRIGUES, 2013, p. 61).

Assim, extrai-se que as mulheres se iludiam com a esperança de encontrar melhores oportunidades de trabalho e sobrevivência, sendo assim facilmente enganadas por promessas de uma vida melhor. Surgindo assim a armadilha de serem exploradas sexualmente. O fato de possuírem dívidas, bem como ameaças de deportação e o isolamento de qualquer contato fora do ciclo de exploração é estratégia comum entre os traficantes de mulheres.

Diante de todo esse cenário do crescente movimento de exploração sexual, “no ano de 1910, foi assinada a Convenção Internacional relativa à Repressão do Tráfico de Escravas Brancas, promulgada no Brasil pelo Decreto n. 4.756, de 28-11-1923, e pelo Decreto n. 16.572, de 27-8-1924.” (RODRIGUES, 2013 p. 62).

Nos dizeres de Rodrigues:

Após a assinatura desses acordos, teve início a Primeira Guerra Mundial, que perdurou de 1914 a 1918. Durante esse período houve uma diminuição do tráfico, mas com o término da guerra os movimentos migratórios tomaram novo fôlego, impulsionados pela destruição e pelo estado de miséria dos países europeus. Assim, foi assinada em 1921 a Convenção Internacional para a Repres- são do Tráfico de Mulheres e Crianças, promulgada no Brasil pelo Decreto n. 23.812, de 30-1-1934. (RODRIGUES, 2013, p. 62).

Por conseguinte, conforme mencionado por Rodrigues (2013, p. 62), no ano de 1950 com intermédio da ONU, foi assinada a Convenção para a Repressão do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio, promulgada no Brasil pelo Decreto n. 46.981, de 8-10-1959, a qual se tornou a primeira em reconhecer que qualquer pessoa, seja ela mulher ou não, poderia ser vítima do tráfico internacional de pessoas. Em seguida, no ano 2000, foi aprovado o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças, e promulgado no Brasil pelo Decreto n. 5.017, de 12-3-200428.

Assim, é possível observar que diante dos acordos e convenções promulgados resultaram em um grande avanço da legislação internacional a esse respeito. Com um significante avanço de reconhecimento do tráfico tão somente ao tocante das mulheres, mas para todos os seres humanos.

Neste passo, Rodrigues elucida:

[...] a OIT30 apoia o entendimento de que o tráfico humano envolve mais do que a exploração sexual de mulheres e de crianças, e que este também deve ser visto como um problema de trabalho forçado para o qual se exigem soluções baseadas no mercado de trabalho. Exemplo dessa nova postura foi o aumento das questões de trabalho forçado disponíveis no relatório anual do Governo dos Estados Unidos31 de apenas 20 referências em 2001 para 535 em 2008. (RODRIGUES, 2013, p. 63).

Diante o exposto acima, nota-se o grande crescimento dessa questão, tendo em vista que o foco hoje em dia é a proteção de qualquer forma de exploração, de qualquer pessoa, ocasionada pelo tráfico internacional.

2.3 A Sociedade Moderna e o Tráfico Internacional de Pessoas para fins de Exploração Sexual

Nos tempos de hoje, diante de toda a facilitação dos meios de comunicação, torna-se mais fácil o caminho dos traficantes. Sendo por estes, tratado como um negócio qualquer, dos quais consideram as vítimas meras mercadorias, visando apenas o lucro.

Neste passo, Rodrigues exemplifica:

Em sua maioria mulheres, essas escravas sexuais são forçadas a servir centenas ou até milhares de “clientes” antes de serem descartadas, morrerem ou conseguirem fugir. Trata-se de um negócio muito lucrativo, uma atividade ilícita mais simples e mais rentável que o tráfico de drogas, por exemplo. Ao contrário da droga, que precisa ser plantada, cultivada, industrializada e em- balada, a mulher em si não é uma “mercadoria” ilícita, além de poder ser “utilizada” inúmeras vezes. (RODRIGUES, 2013, p. 64).

Deste modo, baseado em Rodrigues (2013. p. 65), segundo o site da Organização Internacional para as Migrações, o tráfico internacional de pessoas é considerado uma das três atividades mais lucrativas do crime organizado. Ainda, “em 2005 se calculavam 2,4 milhões de vítimas de tráfico de pessoas trabalhando em condições de exploração no mundo todo.” (RODRIGUES, 2013, p. 65).

Deste modo, “a movimentação financeira envolvida no delito de tráfico de pessoas com fim de exploração sexual para a Europa alcança 3 bilhões de dólares anuais, e o número de novas vítimas é 70.000 por ano.” (RODRIGUES, 2013, p. 65).

Vale ressaltar, que o tráfico de pessoas é um crime que ganha cada vez mais força e o descaso de muitos países em relação a tal prática lhe é favorável, pois a sua prevenção é dificultada diante da impossibilidade de estabelecer dados precisos sobre o crime, tais como as principais rotas de tráfico. Ainda, recebe um tratamento midiático, vez que os números não são precisos e mesmo assim não possuem investigações de onde surgem.

Diante do exposto acima, Rodrigues elucida:

O que podemos afirmar é que não existem hoje estatísticas confiáveis para informar o montante ou as características precisas do tráfico de pessoas. Além disso, o conceito de tráfico do Código Penal brasileiro é diferente do conceito previsto no Protocolo de Palermo, além de existir grande confusão entre tráfico de pessoas e contrabando de migrantes, o que dificulta a produção de conhecimento e pesquisas precisas e coerentes. Conclui-se, então, que há ainda muito trabalho pela frente antes de se conseguir implementar medidas eficazes de enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil e no mundo. (RODRIGUES, 2013, p. 67).

A esse respeito, “entre 1990 e 2008, foram instaurados 765 inquéritos policiais. Quanto as sentenças resultantes do tráfico, entre 2002 e 2008, foram 211 condenações.” (RODRIGUES, 2013, p. 66-67).

Portando, apesar de haver diversas iniciativas contra esta conduta criminosa, no Brasil e no mundo, há muito trabalho a ser realizado para que se estabeleçam medidas que possam gerar resultados satisfatórios na política de enfrentamento ao tráfico de pessoas.

3. O TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS PARA FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL

O Tráfico Internacional de Pessoas possui previsão legal nos artigos 149-A, V e 228 do Código Penal, bem como nas Leis nº 12.015/2009, capítulo V e nº 13344/2016 e, ainda na Convenção de Palermo, Decreto nº 5.017/2004.

A respeito do Protocolo de Palermo, este se deu através da Organização das Nações Unidas (ONU) o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Enfrentamento à Violência contra as Mulheres Tráfico de Mulheres, do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças, também conhecido como Protocolo de Palermo.

Além disso, seu objetivo consta no preâmbulo da Convenção de Palermo, dizendo o seguinte:

Os Estados Partes deste Protocolo, Declarando que uma ação eficaz para prevenir e combater o tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças, exige por parte dos países de origem, de trânsito e de destino uma abordagem global e internacional, que inclua medidas destinadas a prevenir esse tráfico, punir os traficantes e proteger as vítimas desse tráfico, designadamente protegendo os seus direitos fundamentais, internacionalmente reconhecidos, tendo em conta que, apesar da existência de uma variedade de instrumentos internacionais que contêm normas e medidas práticas para combater a exploração de pessoas, especialmente mulheres e crianças, não existe nenhum instrumento universal que trate de todos os aspectos relativos ao tráfico de pessoas, preocupados com o fato de na ausência desse instrumento, as pessoas vulneráveis ao tráfico não estarem suficientemente protegidas. (BRASIL, DECRETO LEI, 2004).

Ainda, é instituído para prevenir e combater esse tipo de criminalidade, servindo de complementação para a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional com um instrumento internacional destinado a prevenir, reprimir e punir o tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças.

Desse modo, a questão do tráfico internacional de pessoas, foi definido universalmente. O Protocolo é promulgado no Brasil em 12 de março de 2004, através do Decreto nº 5.017, passando a ter vigência interna.

Inicialmente, conceitua-se tráfico de pessoas e outras definições pertinentes, conforme a Convenção de Palermo:

a) A expressão "tráfico de pessoas" significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos;

b) O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea a) do presente Artigo será considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos na alínea a);

c) O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma criança para fins de exploração serão considerados "tráfico de pessoas" mesmo que não envolvam nenhum dos meios referidos da alínea a) do presente Artigo;

d) O termo "criança" significa qualquer pessoa com idade inferior a dezoito anos. (BRASIL, DECRETO LEI, 2004).

Vislumbra-se por meio das definições, que o tráfico de pessoas se dá, na maioria das vezes, para exploração sexual, bem como pelo aproveitamento do estado de vulnerabilidade da pessoa, vez que o aproveitador usa isto como forma de se beneficiar, oferecendo pagamentos e falsas esperanças para a vítima. Concedendo assim seu consentimento e se tornando presa fácil para a exploração.

De acordo com a OIT (Organização Internacional do Trabalho), um dos fatores determinantes do tráfico de pessoas é a pobreza, tendo em vista que a maioria das vítimas possuem dificuldades financeiras e pela inocência acreditam nos traficantes.

Com base no pensamento de Rodrigues (2013, p. 71), o tráfico de pessoas possui como finalidade a exploração sexual ou de qualquer natureza. Possui interesses visando o ganho pecuniário com a pessoa traficada, transformando-a em objeto, que pode ser comercializado e explorado.

Logo, possui estatísticas no banco de dados da ONU, que ajudam na análise de incidências do tráfico de pessoas, conforme Novo:

Banco de dados da ONU oferece estatísticas sobre o número de processos e condenações, mas também dados qualitativos de casos das pessoas traficadas como documentado pelos tribunais. A metodologia empregada para a criação e a alimentação do Human Trafficking Case Law Database é a coleta de casos junto às autoridades competentes de cada país (no Brasil, por exemplo, a autoridade competente é o Ministério Público Federal), sendo exigida para a inclusão do caso no banco de dados a condição de que todos os três elementos constitutivos na definição de tráfico de pessoas do Protocolo de Palermo estejam presentes, mesmo que o caso não tenha sido processado nos termos da legislação nacional específica do tráfico (os três elementos constitutivos do tráfico de pessoas são o ato, os meios e os fins de exploração). (NOVO, 2018, p. 22).

O crime de Tráfico Internacional de pessoas para fim de exploração sexual tinha previsão no art. 231 do Código Penal, ao passo que foi revogado pela Lei nº 13.344/2016, que dispõe sobre prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas de atenção às vítimas.

Vale ressaltar o disposto no art. 149-A do CP. Vejamos:

Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de:

I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;

II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;

III - submetê-la a qualquer tipo de servidão;

IV - adoção ilegal; ou

V - exploração sexual.

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 1o A pena é aumentada de um terço até a metade se:

I - o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las;

II - o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência;

III - o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função; ou

IV - a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional.

§ 2o A pena é reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não integrar organização criminosa. (BRASIL, CP, 1940).

As condutas tipificadas acima demonstram diversas hipóteses que configuram a prática de tráfico de pessoas. Resta evidenciado que, o crime se consuma com a prática da conduta típica, independentemente da efetiva remoção de órgão, tecidos ou partes do corpo da vítima; independentemente da submissão da vítima a trabalho em condições análogas às de escravo; independentemente da submissão da vítima a qualquer tipo de servidão; independentemente de adoção ilegal; ou independentemente de exploração sexual, ou seja, basta a evidenciação da conduta praticada pelo traficante.

Dessa forma, quanto às condutas típicas, Andreucci diz:

As condutas típicas vêm expressas pelos verbos agenciar (servir de agente, de intermediário, representar), aliciar (recrutar, atrair, seduzir), recrutar (reunir, atrair, alistar, seduzir), transportar (levar, conduzir, carregar de um lugar para outro), transferir (mudar de um lugar para outro, remover), comprar (adquirir), alojar (acomodar, dar abrigo) ou acolher (amparar, receber). (ANDREUCCI, 2018, p. 291).

Existem ainda as causas de aumento e diminuição das penas, conforme § 1º e § 2º do artigo transcrito acima. A questão do aumento da pena será de um terço até a metade se o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las; se o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência; se o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função; ou se a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional. Já nos casos de diminuição da pena prevê a pena reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não integrar organização criminosa.

Contudo, a Lei 13.344/2016 determina algumas formas de prevenir o tráfico de pessoas:

Art. 4o A prevenção ao tráfico de pessoas dar-se-á por meio:

I - da implementação de medidas intersetoriais e integradas nas áreas de saúde, educação, trabalho, segurança pública, justiça, turismo, assistência social, desenvolvimento rural, esportes, comunicação, cultura e direitos humanos;

II - de campanhas socioeducativas e de conscientização, considerando as diferentes realidades e linguagens;

III - de incentivo à mobilização e à participação da sociedade civil; e

IV - de incentivo a projetos de prevenção ao tráfico de pessoas. (BRASIL, 2016).

Portanto, a lei sedimentou maneiras de coibir o tráfico de pessoas, passando informação para a população, incentivando o conhecimento e educação, para que assim consiga diminuir esse “mercado” que tanto cresce no Brasil e Internacionalmente. Tornando assim, a prevenção o meio mais eficaz para o seu enfrentamento.

4. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL A RESPEITO DO TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS PARA EXPLORAÇÃO SEXUAL

4.1 Análise Jurisprudencial

O Tráfico Internacional de pessoas para fins de exploração sexual constitui uma gravíssima violação aos direitos humanos, na medida em interrompe direitos fundamentais tais como: a liberdade de escolha, o direito ao próprio corpo e a vivencia saudável da sexualidade.

Logo, a vítima sofre traumas que podem ser considerados, até mesmo irreversíveis, uma vez que por meio de falsas promessas acaba se entregando a alguém que não conhece, se baseando apenas em uma utopia e acreditando que trabalhará de forma digna e assim conseguir ter uma vida digna.

Contudo, não é bem isso que acontece, o agenciador possui como único objeto o de obter lucro com a exploração sexual da vítima, tornando-a aprisionada nesta situação, tendo em vista que na maioria das vezes, se encontra em um país que não consegue ao menos falar seu idioma.

Noutro sentido, tal transação ilegal pode acontecer dentro do Estado de origem das vítimas, o tráfico interno ou nacional, ou ocorrer quando ultrapassa as fronteiras do país e envolve o deslocamento de vítimas de um Estado para outro, muitas vezes, utilizando terceiras nações como trânsito, o tráfico externo ou internacional.

Assim, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal trata o tráfico internacional de pessoas com fins de exploração sexual como medida de extrema gravidade. Vejamos:

EXTRADIÇÃO INSTRUTÓRIA E EXECUTÓRIA. PRISÃO DECRETADA PELA JUSTIÇA ESPANHOLA. TRATADO ESPECÍFICO: REQUISITOS ATENDIDOS. CRIMES DE TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOA PARA FIM DE EXPLORAÇÃO SEXUAL, FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL E REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. DUPLA TIPICIDADE. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. EXTRADIÇÃO DEFERIDA.

1. O pedido formulado pelo Reino da Espanha atende aos pressupostos necessários ao deferimento, nos termos da Lei n. 6.815/1980 e do Tratado de Extradição específico, inexistindo irregularidades formais.

2. O Estado Requerente dispõe de competência jurisdicional para processar e julgar os crimes imputados ao Extraditando e para executar a sentença condenatória imposta, conformando-se o caso ao disposto no art. 78, inc. I, da Lei n. 6.815/1980 e ao princípio de direito penal internacional da territorialidade da lei penal.

3. Requisito da dupla tipicidade previsto no art. 77, inc. II, da Lei n. 6.815/1980 cumprido: fatos delituosos imputados ao Extraditando correspondentes, no Brasil, aos crimes de tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual, favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual e redução à condição análoga à de escravo (arts. 231, 228, caput e § 2º e 149, todos do Código Penal Brasileiro).

4. Na extradição, este Supremo Tribunal Federal não detém competência para examinar o mérito da pretensão deduzida pelo Estado Requerente ou o contexto probatório no qual se apoia a postulação extradicional. Precedentes.

5. Extradição deferida (BRASIL, 2015).

Nota-se que, conforme demonstrado pelo julgado, o acusado foi condenado pelo crime de tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual e favorecimento da prostituição, o qual possuía residência no Brasil, mas devido a circunstâncias do cometimento de tal delito, foi decretada sua extradição para cumprimento da pena pela Justiça Espanhola, ou seja, foi julgado com repressão extrema, uma vez que a extradição trata-se de uma situação alarmante dado ao caso.

A diante, o Superior Tribunal de Justiça, manifesta no mesmo sentido, eis que possui relevância as circunstancias do crime, bem como a personalidade do delinquente e a sua respectiva culpabilidade.

A propósito:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME DE TRÁFICO DE MULHERES (ATUAL TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOA PARA FIM DE EXPLORAÇÃO SEXUAL). DOSIMETRIA. PENA-BASE MAJORADA. CULPABILIDADE, CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME E PERSONALIDADE. VALORAÇÃO NEGATIVA EM FACE DE ASPETOS FÁTICOS NÃO INERENTES AO DELITO. REVISÃO. VIA IMPRÓPRIA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA, DIANTE DA QUAL NÃO SE IDENTIFICA ILEGALIDADE FLAGRANTE A EXIGIR CORREÇÃO NA ESTREITA VIA DO WRIT. REGIME FECHADO. MANUTENÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO IMPROVIDO.

1. Em regra, não se presta o remédio heróico à revisão da dosimetria das penas estabelecidas pelas instâncias ordinárias. Contudo, a jurisprudência desta Corte admite, em caráter excepcional, o reexame da aplicação das penas, nas hipóteses de manifesta violação aos critérios dos arts. 59 e 68 do Código Penal, sob o aspecto da ilegalidade, em casos de falta ou evidente deficiência de fundamentação ou ainda de erro de técnica.

2. Tem-se por motivada a negativação da vetorial da culpabilidade em razão do fato de ter sido meticulosamente planejada a conduta criminosa e de possuir o réu plena consciência das consequências de suas ações de que, uma vez no exterior, a exploração sexual das vítimas se daria de forma contínua, diretamente pelo ora paciente, mediante uso de violência física e psicológica.

3. Claro foi o acórdão impugnado ao apontar que a maior reprovabilidade da conduta do paciente não decorreria da exploração sexual em si, conduta efetivamente praticada apenas no exterior, mas sim do elevado nível de planejamento para a consecução do tráfico de mulheres (atual tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual), em conjunto com a plena consciência, por parte do réu, das fases seguintes à consumação do delito, além da prévia ciência do grau do prejuízo à dignidade e à integridade pessoal que seria imposto às vítimas.

4. A indiferença aos sofrimentos que seriam suportados pelas vítimas, circunstância que, à luz da moldura fática delineada pela Corte de origem, seria do prévio conhecimento do acusado, evidencia dolo exacerbado, constituindo, pois, fundamento idôneo à valoração negativa da referida vetorial. Ademais, os requintes do planejamento da conduta praticada pelo réu não podem ser infirmados na via do writ, ante a necessidade de revolvimento do conjunto probatório.

5. Também, ao contrário do quanto sustentado na inicial do presente habeas corpus, não se pode considerar como inerente ao tipo penal em questão o fato de a fraude utilizada para a consecução do delito ter sido praticada contra pessoas de pouca instrução e capacidade econômica reduzida, uma vez que, conforme apontado no aresto combatido, a consumação do crime restou facilitada por ter o ora paciente escolhido como vítimas pessoas de especial fragilidade sociológica, o que, efetivamente, evidencia maior reprovabilidade da conduta.

6. A Corte de origem concluiu que o ora paciente possuiria personalidade desviada, de pessoa que ostenta desprezo pelos demais e pela ordem jurídica em patamares que, de acordo com o Direito pátrio, exigem majoração específica da reprimenda, para tanto apontando que o réu, nascido em 1948 (já maduro e sem indicação de ter tido extremas dificuldades econômicas ao longo da vida), praticou com absoluto despudor e ausência de senso mínimo de respeito pelo ordenamento e por terceiros, diversos crimes graves de maneira reiterada, tudo a demonstrar que faz da criminalidade meio de vida, comprazendo-se a partir dos danos graves gerados a terceiros e com isso auferindo lucros, tendo sido condenado a República Portuguesa (com trânsito em julgado) pelas práticas de sequestro, lenoícnio, falsificação de documento, lesão corporal e porte ilegal de arma, condutas essas praticadas a partir de 1998. Destacou, outrossim, que, conforme os relatos das vítimas constantes dos autos, praticava ele agressões contra elas e mesmo contra sua esposa, chegando a obrigar a própria cônjuge a se prostituir. Tais fundamentos revelam-se idôneos à valoração negativa da vetorial em questão.

7. Quanto ao regime prisional, embora não se trate de réu reincidente, foi-lhe fixada pena-base acima do mínimo legal, pelo reconhecimento de circunstâncias judiciais desfavoráveis, razão pela qual, à luz das disposições do art. 33, §§ 2º e do Código Penal, não há qualquer ilegalidade na fixação do regime mais gravoso, in casu, o fechado.

8. Agravo regimental improvido (BRASIL, 2018).

Em detida análise do julgado, em sede de Habeas Corpus, o crime em questão trata-se de tráfico internacional de pessoa para exploração sexual, onde foram analisadas as circunstâncias dadas crime e a condição do criminoso. Desse modo, constatou-se que houve a motivação da conduta negativa da culpabilidade em razão do fato de ter sido amplamente planejado, tendo a conduta criminosa e de possuir o réu plena consciência das consequências de suas ações de que, uma vez no exterior, a exploração sexual das vítimas se daria de forma contínua, mediante uso de violência física e psicológica, o que de fato agrava a situação.

Ademais, levou-se em consideração o planejamento do crime é a condição de consciência de todo a situação, demonstrando assim que o réu assumiu todas as consequências de seus atos cometidos, não havendo que se falar em desconhecimento.

Vale ressaltar ainda, que ficou constatada de que as vítimas usadas na ação delituosa, evidenciavam pouca instrução e falta de capacidade econômica, deixando claro que o réu aproveitou da fragilidade das vítimas para consumar o crime. Portanto, diante a análise de todas as circunstâncias presentes no ato, demonstra que o réu possui personalidade duvidosa, onde ostenta desprezo as vítimas e ao crime cometido, uma vez que praticava agressões até mesmo contra sua esposa, chegando a obrigar a própria cônjuge a se prostituir. Assim, revela-se idôneos à valoração negativa da vetorial em questão.

Nesse sentido, vale destacar ainda outro julgado do Superior Tribunal de Justiça, este demonstra acerca do consentimento prévio das vítimas, mas que por si só não exclui a responsabilidade dos exploradores:

CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS PARA EXPLORAÇÃO SEXUAL. TIPICIDADE DOS FATOS NARRADOS. APELAÇÃO DO MPF PROVIDA.

I - O cerne da presente lide consiste em determinar se as condutas imputadas aos réu F B A e MARIANO LORETI se subsumem à previsão dos artigos 231, caput, §§ 1º e , em continuidade delitiva (30 vezes), com a consideração da causa de aumento prevista no § 2º, inciso IV, do mesmo dispositivo em relação ao segundo réu, e 288, caput, ambos do Código Penal, em concurso material. (...)

III - Analisando criteriosamente as provas produzidas, observo que os seguintes fatos exsurgem como incontestáveis: 1) As mulheres eram recrutadas pelos réus no território nacional para trabalhar em casas noturnas italianas. Para isso, toda a documentação era preparada e ambos os denunciados recebiam remuneração por cada uma delas; 2) Tais mulheres eram recrutadas apenas com base em suas aparências (conforme interceptações telefônicas colacionadas, a seleção era feita a base de fotos, especialmente de biquínis); 3) Embora contratadas como "dançarinas", não há registro de experiência prévia das candidatas nesta função e não há registro de qualquer seleção com base em seus dotes como tal; 4) As brasileiras iam à Itália para, finalisticamente, "fazer consumação" consistindo essa prática, segundo as próprias depoentes, em "sentar", "conversar", "divertir", "brincar", "servir" e "consumir bebida", ou participar de shows de dança; 5) Não obstante tivessem como função principal a dita "consumação" (entretenimento aos clientes e incentivo ao consumo de bebida exercida pelo "figurante di sala"), as citadas mulheres não tinham qualquer fluência no idioma italiano e não eram selecionadas a partir disso; 6) Todas as mulheres se encontravam em clara situação de vulnerabilidade no Brasil, sendo oriundas de camadas pobres da população; 7) Embora tivessem ciência que teriam uma dívida com os aliciadores oriunda das passagens e outras despesas, a maior parte delas só soube do valor da dívida ao chegar a Itália; 8) Pelo menos uma das aliciadas afirmou em juízo que não teve ciência, antes de chegar a Itália, das condições de trabalho relativas a carga horária e remuneração; 9) Às f. 846/859 dos autos, há o registro de inúmeras fotos das casas noturnas já mencionadas, indicando uma clara exposição do corpo das "dançarinas" e "figurantes de sala". Também há indicação clara de shows de strip-tease e inúmeras menções a danças "sensuais".

IV - Embora tenham as brasileiras - de forma compreensível, dada sua situação pessoal - negado o exercício de prostituição em estrito senso, clara está a exploração com apelo sexual do corpo de cada uma delas visando o lucro. Mesmo que se aceite a versão de que não havia qualquer contato entre clientes e "funcionárias" (o que se faz apenas a título de argumentação, ante a farta prova dos autos), não se pode questionar que foram arregimentadas com o único propósito de servirem de objeto de satisfação sexual (mesmo que platônica).

V - No caso em análise, não há versão passível de ser justificadamente aceita que não a que agora se expõe. Simplesmente não há qualquer verossimilhança na alegação de que as mulheres aliciadas simplesmente usavam de simpatia e boa conversa (em língua diversa da falada pelos clientes) para exercer suas funções. As fotos já mencionadas demonstram a situação de semi-nudez e as poses eróticas que eram utilizadas no trabalho cotidiano. Não é plausível excluir a exploração sexual da verdade que tenta se buscar.

VI - A presença do consentimento prévio das mesmas antes da viagem não é causa suficiente para excluir a responsabilidade dos exploradores, pois ainda que tenham consciência das atividades que serão exercidas, as mulheres não têm idéia das condições em que a exercerão e, menos ainda, do valor da dívida que contraem antes de chegar ao destino.

VII - Não há dúvidas a respeito da situação de vulnerabilidade das mulheres arregimentadas. Tinham todas um grau de instrução baixo e se encontravam em situação de pobreza no Brasil. A vontade de cada uma era mitigada pela necessidade e por causa dessa necessidade aceitaram ter seu corpo objeto de exploração sexual. O intuito da lei e do Protocolo Internacional foi proteger aqueles que não tem como optar pela proteção.

VIII - A vulnerabilidade das pessoas traficadas pode ser social, econômica ou educacional. Em regra, a vulnerabilidade social é o que induz as vítimas a consentirem com uma das formas de exploração acima enumeradas, porquanto, estas se atraem pela possibilidade de uma vida melhor e abrem mão de sua liberdade em nome daquele objetivo. Em decorrência da vulnerabilidade, as vítimas do tráfico de pessoas não se vêem como tal, torna ainda mais imprescindível a atuação do Estado na prevenção e repressão ao tráfico e assistência às mesmas.

IX - Isto posto, clara a materialidade do delito previsto no artigo 231, caput, do Código Penal em continuidade delitiva. No entanto, não se observa prova nos autos do cometimento do crime previsto no artigo 288 do Código Penal(quadrilha ou bando), uma vez que não logrou o Ministério Público Federal a comprovar a estabilidade do vínculo entre os dois denunciados e algum terceiro para o fim de cometer crimes.

X - A autoria quanto ao crime reconhecido está bem comprovada. O papel de F B era, mediante pagamento, recrutar, arregimentar e aliciar as mulheres em território nacional, providenciando, ainda, a documentação necessária à concessão do visto italiano. Já a MARIANO LORETI cabia suprir a demanda de mulheres das casas noturnas italianas, agindo da seguinte forma: repassava as fotografias delas enviadas por F B aos donos dos estabelecimentos onde elas iriam trabalhar - e, após a escolha desses e o trâmite da documentação do visto no Brasil, promovia a recepção delas naquele país, encaminhando-as às boates respectivas.

XI - Dosimetria da pena pouco acima do mínimo legal. Pena definitiva para F B fixada em 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão. Pena definitiva para MARIANO LORETI fixada em 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão.

XII - Apelação do MPF parcialmente provida. (BRASIL, 2014).

Embora estivesse presente o consentimento das vítimas, estas de forma compreensível, dada sua situação pessoal, negam o exercício de prostituição, clara está a exploração com apelo sexual do corpo de cada uma delas visando o lucro. Ainda, a vulnerabilidade das pessoas traficadas pode ser social, econômica ou educacional.

Em regra, a vulnerabilidade social é o que induz as vítimas a consentirem com uma das formas de exploração acima enumeradas, porquanto, estas se atraem pela possibilidade de uma vida melhor e abrem mão de sua liberdade em nome daquele objetivo, fato esse que não descaracteriza a culpa dos aliciadores.

Vale dizer que até a pessoa que concorda em ser traficada, mesmo que para o fim de se prostituir, mas ao chegar no local de destino encontra uma situação diferente da esperada e é subjugada à exploração. Este individuo é aliciado por meio de fraude, tipificando o delito.

Em suma, para sua conclusão deve ser levado em consideração de que para o consentimento ser considerado válido, sua manifestação deve ser isenta de qualquer vício de vontade. Sendo que a doutrina penal considera como vícios do consentimento a fraude, a violência física e a ameaça, o que não se vislumbra no presente acórdão.

5. CONCLUSÃO

A falta de conhecimento da sociedade e ainda a ausência de informações acerca do tema tratado neste trabalho, demonstra a fragilidade do presente delito, sendo que este trabalho buscou analisar todas as vertentes ligadas ao Tráfico Internacional de Pessoas para Exploração Sexual.

Ante o exposto neste trabalho, é possível concluir que o Tráfico Internacional de Pessoas para fins de Exploração Sexual constitui uma gravíssima violação aos direitos humanos, na medida em interrompe direitos fundamentais tais como: a liberdade de escolha, o direito ao próprio corpo e a vivencia saudável da sexualidade. Neste particular é onde reside a importância do estudo proposto neste trabalho.

Nesse toar, é possível depreender que de acordo com a evolução histórica do delito temático, para que chegasse ao tráfico de pessoas, houve algumas transições, sendo estas: tráfico de escravos negros, o qual possui notável relevância acerca de possuir ligação direta com o fato histórico mais antigo, a escravidão.

Desse modo, vislumbrou-se que diante toda a evolução histórica havida, bem como toda a facilitação dos meios de comunicação aos traficantes, adveio o tráfico internacional de pessoas. Sendo este uma das atividades mais lucrativas do crime organizado, sendo as vítimas tratadas como meras mercadorias, usadas para, tão somente, proporcionar lucros aos agentes.

Diante disso, surgiu uma certa flexibilidade aos traficantes, onde o caminho tornou-se mais fácil ao cometimento do ato criminoso, o que ganha mais força, uma vez que sua prevenção é dificultada pela impossibilidade de investigação, tendo em vista a ausência de dados precisos quanto as rotas de tráficos e baixa exposição midiática deste crime.

Em razão disso, o Tráfico Internacional de Pessoas para Exploração Sexual diz respeito ao recrutamento, transporte, transferência, acolhimento de pessoas, onde se utiliza da força ou outras formas de coação, aproveitando da vulnerabilidade da vítima para se beneficiar, eis que através de falsas esperanças provoca a ilusão da vítima, sendo o seu consentimento passo fácil a se conseguir.

Desse modo, o Tráfico Internacional de Pessoas para Exploração Sexual trata-se de um crime de grande potencial ofensivo, interrompendo direitos fundamentais das vítimas e infringindo garantias constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, ocasionando traumas irreversíveis.

Em análises doutrinárias e jurisprudenciais, pode-se observar que os posicionamentos giram em torno da aplicação de extrema gravidade a conduta praticada pelo agente do crime, sendo avaliadas as circunstâncias dadas do crime e a condição do criminoso, que por várias age de forma planejada e consciente de todos atos cometidos.

Portanto, vale salientar que de acordo com o presente estudo, foi possível constatar que o crime de Tráfico Internacional de Pessoas para Exploração Sexual é um delito que demanda cautela e máxima urgência de conscientização, eis que abala a integridade da vítima, resultando na má qualidade de vida e consequentemente transtornos de sua decorrência. Sendo assim de grande necessidade uma maior conscientização da sociedade acerca das reais dimensões deste crime.

6. Referências

ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Manual de Direito Penal. 12ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. (Minha Biblioteca).

BRASIL. Código Penal. Promulgado em 07 de dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 28 fev. 2019.

BRASIL. Decreto nº 5.017, de 12 de março de 2004. Promulga o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção; Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Diário Oficial, Brasília, DF, 12 mar. 2004. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 10 abr. 2019.

BRASIL. Lei nº 13.344. Promulgado em 06 de outubro de 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 24 abr. 2019.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental No Habeas Corpus. Crime De Tráfico De Mulheres (Atual Tráfico Internacional De Pessoa Para Fim De Exploração Sexual). nº 397.511 - SP (2017/0094244-4). Relator: Nefi Cordeiro. Brasília, 13 mar. 2018. Disponível em: http://www.revistadostribunais.com.br. Acesso em: 10 jun. 2019.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Criminal. Tráfico Internacional de Pessoas para Exploração Sexual. Tipicidade dos Fatos Narrados. Apelação do Mpf Provida. nº 0002240-54.2010.4.05.8400. Julgador: Cíntia Menezes Brunetta. Brasília, 25 mar. 2014. Disponível em: http://www.revistadostribunais.com.br. Acesso em: 10 jun. 2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Extradição Instrutória e Executória. Prisão decretada Pela Justiça Espanhola. Tratado Específico. nº 1377. Julgador: Carmen Lúcia. Diário Eletrônico. Brasília, 29 set. 2015. Disponível em: http://www.revistadostribunais.com.br. Acesso em: 10 jun. 2019.

NOTTINGHAM, Priscila; FROTA, Helena. O Brasil na rota do tráfico de escravas brancas: entre a prostituição voluntária e a exploração de mulheres na belle époque. Revista Eletrônicas das Ciências Sociais, Vitória, v. 1, p.1-19, jun. 2012. Disponível em: http://www.revistadostribunais.com.br. Acesso em: 20 mai. 2019.

NOVO, Benigno Núnez. Tráfico Internacional de Pessoas. Revista Jus.com, fev. 2018.

RODRIGUES, Thais de Camargo. Tráfico internacional de pessoas para exploração sexual. São Paulo: Saraiva, 2013. (Minha Biblioteca).



Nathalia Dias


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